o real existiu até a virada do século xix: imponente, cruel, indiferente e implacável – pois já está aí apesar de tudo. quando se sabia o que era e o que não era uma ilusão: aquilo que se vê (revelação teórica – ilusão filosófica). quando ainda se sabia onde estava o limite entre consciência e alienação: aquilo que se faz (revelação prática – ilusão tecnológica). o real passou o século xx inteiro cambaleando: frustração, proibição e privação. aqui e ali era quase possível vê-lo vivo: acontecimento múltiplo capaz de se reproduzir. cambaleou até os nossos dias, quando neste século xxi, podemos afirmar com toda certeza que o real está morto.
interessante notar é que, com a morte do real, a ilusão também se foi junto a ele. pois ambos possuem a mesma necessidade de ausência/presença e aqui/agora (obsessão da simetria). portanto, a ilusão também está morta: triunfo e humilhação – unicidade irredutível entre ambas. vice e versa disso: sem o real não há ilusão. eis o futuro desta. nem evolução, nem revolução. ah, e muito menos involução. talvez, volução. um movimento patético rumo ao fim: arte, filosofia, religião, ciência, política. besteiras de todos os graus: excessos paranoicos de certezas imperiosos em seu caráter indestrutível de crença: toda questão e crítica de qualquer espécie é afrontada de modo até serene por esta que se coloca como fortaleza inexpugnável. e aqui o real e a ilusão tornam-se inúteis, moribundas e irrisórias.
para melhor visualizar esta dupla morte, vejamos o seguinte exemplo: os movimentos sociais.
os movimentos sociais têm um comportamento duplo impossível de dissociar um do outro: uma ilusão falando em nome do real ao mesmo tempo em que se coloca como uma realidade, falando ilusoriamente. vejamos: como “ilusão falando em nome do real” lutam por melhores condições (por exemplo, assalariados/as lutam por melhores salários e, grupos de ações afirmativas lutam por políticas públicas); como “realidade falando ilusoriamente” lutam pela permanência daquilo que são contrários às suas melhores condições (a luta dos/as assalariados/as deixa intacto o modelo econômico que estão submetidos, e, a luta dos grupos de ações afirmativas deixa intacto o modelo político que as colocam em condição de vulneráveis).
no caso dos/as assalariados/as lutas garantem a mesma realidade e a mesma condição ilusória: compra-se um carro (para melhor e confortavelmente ir e vir do trabalho) e uma casa (que garantirá sua acomodação quando não se está trabalhando). no século xix, quando havia realidade de um lado e ilusão de outro, trabalhadores e trabalhadoras não veriam isso como uma importante vitória – à ilustração disso, na europa, aparecem movimentos comunistas e anarquistas. no entanto, ao longo do século xx, com o real cambaleante, trabalhadores/as não sabiam se lutavam contra seus patrões (empresas, etc.) ou contra os patrões de seus patrões – o estado. não sabiam se lutam por melhores salários para comprar casa e carro (contra seus patrões e/ou patroas) ou, se lutam por garantir transporte coletivo e financiamentos pela casa própria (contra o estado).
neste momento, onde real e ilusão estão mortos, trabalhadores e trabalhadoras tornam-se escravos/as lutando por melhores condições de escravidão. aquilo que garantiria seu bem-estar é o mesmo que o oprime. e isso também vale para as lutas por políticas públicas encabeçadas pelos grupos de ação afirmativa. sim, e o que podemos fazer agora? ah, usemos a imaginação esta poderosa terceira dimensão de existência para além da dupla coordenada real e ilusão.
léo pimentel - amante da heresia
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