o que torna um país odioso de se viver é o grau de sua governabilidade. quanto mais odioso maior sua governabilidade. pois tal condição tem como componentes dois dos elementos mais desprezíveis (que não podemos desprezar) importados das civilizações da miséria: ordem e progresso. [alerta: estas duas palavras aqui empregadas não são meras coincidências]. porque desprezíveis? simples. a ordem é a própria razão de ser da polícia, dos militares, das milícias, do poder judiciário e dos organizadores das religiões (grupos confessionais). ordem ou, simplesmente, ordenar. já o progresso, a própria razão de ser de empresários, industriais, banqueiros, investidores, latifundistas e lobbystas. progresso ou, simplesmente, progredir. ambos os elementos são desprezíveis que não podemos desprezar por comporem uma estratégica para reduzir, qualquer expressão transformadora, à mera ideologia desenvolvimentista moral, espiritual e material. ordem e progresso jamais alteram ou transformam estados de coisas, apenas reafirmam e perpetuam um estado apenas.
o desenvolvimentismo áureo da governabilidade é uma reta entre dois pontos: obediência dedicada e atmosfera de benfeitoria (responsabilidade social). o primeiro ponto é a própria condição de aceitabilidade a priori daqueles/as que, estando fora da “ordem e do progresso”, sobrevivem da esperança de providências salvadoras de um poder central. o segundo é a garantia de que democratas e “homens de negócios” (os quais há muito deixaram de estar separados) desenvolvam ciência especial para continuarem a fazer aprovar seus privilégios pelo parlamento (um tipo de aposta onde a banca sempre ganha). a reta traçada entre tais pontos é o caminho que isenta banqueiros, empresários, investidores, industriais e latifundistas, de saírem às ruas para protestar por melhores condições de vida (quem já os viu pelas ruas em enfrentamento com a polícia?). esse caminho se apresenta como uma maldisfarçada luta de uns contra os outros, pois o resultado já foi decidido previamente nos bastidores. ordem e progresso é o modo confesso de governabilidade de nem abalar a monarquia, e de nem consolidar a república. tudo se resolve em reuniões secretas de camaradas (grupos de interesse) e influentes (grupos de pressão) que antecipam o modo como audiências públicas serão realizadas. interesse, sim. ação política, não.
temos que lembrar que nessa reta encontramos três grandes figuras sociais que atravessaram os séculos, da colonização até os dias de hoje, se adaptando e adquirindo novos nomes na conjunção ordem-e-progresso (gesto pelo qual se traça a referida reta): o benfeitor, o bandeirante e o capitão-do-mato. em outras palavras: a exploração de negócios, a proteção dos mesmos e a pacificação. seja na monarquia ou mesmo na república, jamais participaram dos projetos e da distribuição das riquezas nacionais a população autóctone e a população escrava importada. pois: a elas sempre foram negadas as possibilidades da exploração de negócios; a elas foram impostas obrigações de respeito, de geração, de manutenção e até proteção das riquezas alheias; a elas sempre foram dirigidas as forças pacificadoras de subjulgamento de seus corpos e espíritos. guerras civis (lutas mesquinhas por riquezas “conquistadas”), abusos do fisco (burocracias metropolitanas), abusos do clero (messianismo e pilhagem para roma), epidemias de fome (luta contra a natureza na qual o indígena faz parte) e transoceanismo (ganhar fortuna aqui para gastá-la além-mar): tudo isto enquanto durar a miragem da governabilidade áurea. para aqueles e aquelas que sofrem o ordenamento e estão impossibilitadas de progredirem, a esperança e a obsessão melancólica sem revolta como consolo: benfeitorias particulares, políticas públicas, exportação, manifestações contra a corrupção, laços tênues de língua e de culto, invocação de discursos de belas palavras, unificação por hegemonia, mitificação do desenvolvimento, tecnologização, performance sexual, idolatria à saúde, ocultamento da contingência das coisas, eterna busca pela felicidade.
léo pimentel - amante da heresia
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