04 [(cor)respondência quarta]
assim falou marcia: “o advento da fotografia mudou nossa relação com o olhar e o mundo do visível e do não visto. a fotografia constrói a vida das pessoas em todos os sentidos. fotografia e pensamento tem poderes intoxicantes ou curativos.”
interessante pensar: assim como há experimentos de radiação com seres humanos, pesquisas com armas étnicas, medicina organizada, também há fotografias experimentais testadas em nossos olhos-cobaias. já que a compilação de dados, neste caso não pode ser feita testando em ratos. fazendo um exercício de imaginação de analogia, se a fotografia tem poderes intoxicantes ou curativos, ela deve ser uma espécie de droga por si mesma. assim, sendo, quem fotografa deve desenvolver testes pré-clínicos dessa específica droga aos nossos olhos-cobaias.
imaginemos um/a fotógrafo/a realizando uma triagem de genotoxidade: como fizeram alexandre rodtchenko e lászló moholy-nagy que afirmavam ser produtores de imagens, lá pelos anos de 1902 na russia e na alemanha. o primeiro desses fotógrafos escolhia pontos de vista do alto para baixo, de baixo para cima e diagonais. já o segundo optava por visões fraturadas, perspectivas oblíquas e enquadramentos inusitados. essa triagem serviu para que se desenvolvesse um perfil farmacológico da droga-fotografia que mais tarde serviu para a determinar a toxidade aguda da droga por toda a espécie humana. a fotografia alcançara a dimensão industrial. onde estudos de sua toxidade de curto prazo puderam ser realizados com as revistas ilustradas em meados do século xx.
aqui o problema da droga-fotográfica se encontra no objetivo de testes para a obtenção de dados de segurança e eficácia. imaginemos a revista brasileira “o cruzeiro”, surgida em 1928, partindo dos testes de triagem de genotocidade de rodtchenko e moholy-nagy, para a criação do que ela mesma chamou de pedagogia do olhar. pedagogia!? não foi platão que fizera essa relação entre pedagogia e pharmakon? sim, marcia, vc tem razão estão fazendo testes de laboratório com a gente e não estamos sabendo disso.
assim falou marcia: “as imagens críticas são aquelas que convidam a pensar, não tentam convencer, mostram mas não obrigam a crer.”
sim, marcia, para tal é preciso desassociar fotografia de pharmakon. ou seja, é preciso desassociar a fotografia da pedagogia e afastá-la de platão... e de aristóteles também! a fotografia não revela dimensões invisíveis do real nem mesmo possuem a correspondência das tabelas de verdade entre proposição e mundo. sendo assim, a nossa experiência visual é que deve ser deseducada até a má educação: não é instrumental, nem racionalizável, nem essencialmente abstrata. desse modo estaríamos sem a obrigação de sermos urbanos/as civilizados/as. teríamos a bela experiência visual selvagem e anarco-primivista de não darmos conta de um mundo repleto de imagens e signos.
desconfio que imagens críticas não existam, já que a tecnologia nos exige cada vez maior destreza e rapidez para realizar suas tarefas e para assimilarmos suas informações e imagens de estímulo ao consumo. tais destreza e rapidez nos tornam pessoas arrogantes, já que nos sentimos capazes de julgar todas as coisas de modo imediato. para mim toda imagem é inocente. pois ela é incapaz de fazer algo. no entanto, nós videntes, não! pois nos constituímos incapazes de suspender juízo, de guardar silêncio, de nos mantermos retirados/as, de escutar, de ver. vivemos em um tempo em que ninguém pensa, mas todo mundo tem suas opiniões “próprias” e “pessoais”.
assim falou marcia: “a questão central da obra de sebastião salgado é a mistificação que transforma o sofrimento em objeto de consumo. a fotografia só tem sentido quando ela respeita o silêncio e o que não cabe em sua lógica.”
aqui também assumo a perspectiva reversa do parágrafo anterior. não penso que seja a fotografia a guardar silêncio, mas sim quem a vê. pois é preciso ruminar o silêncio. ver não exige uma certa afinidade topológica entre a imagem e quem a vê. exige-se uma vitalidade. quem vê não pode ser o resultado uma organização topográfica hierarquizada. deve sim, ser resultado de disposições anímicas mais profundas: personalidade, vivências, instintos, entranhas e humores. as imagens não pensam. um cérebro sem estímulos também não. somente há pensamento no intervalo entre esses coexistentes, no silêncio do cérebro a partir do que gritam as imagens. sim, as imagens não passam de gritalhonas.
aqui podemos resignificar o “olho-gordo”. sem ruminarmos o silêncio, este tempo de metabolismo, se dá o sedentarismo da visão, cujo resultado é a obesidade mórbida do olhar. pois se retém demasiado.
léo, amante da heresia
estação ipanema/general osório - rio de janeiro | léo pimentel | 2012
Comentários:
Postar um comentário