[i] psicogêneses do eu impessoal

[i.ii]. falta de espiritualidade – a infância se estabelece como desinteresse pela mesquinhez de sua vida. o corpo infantil começa a não mais ter reflexo no espelho. pedagogia para o anti-narcisismo. imagem liberta. na promessa de que, sem reflexo, jamais se sentirá oprimido e amedrontado. à indiferença do ser não lhe é dada mais importância alguma. planta-se a esperança do liberar-se das coisas do atual suficiente. a vida enquanto vida suficiente torna-se “vida verdadeira”. ou seja, vida insuficiente. a verdade é a insuficiente. tal qual a insuficiência é a verdade. o mundo vazio de verdade no nascimento, na infância torna-se cheio. rejeita-se a suficiência na impossibilidade de se liberar da indiferença do ser. toda participação daqui para frente deve ser cuidadosa, paranóica e de pura cordialidade. o vazio é introduzido ao corpo. é nomeado como alma. abertura para que tudo torne-se participação espiritual.
[i.iii]. insurreições da vacuidade – tornado estrangeiro e liberto do atual suficiente, é preciso ter planos de insuficiência: melhoramento de vida, salvação do mundo. banimento radical de nós próprios. seu eu torna-se insuficiente. ser outro é a necessidade: ser alma; ser espírito; ser humano. verdadeiramente verdadeiro. verdade em si. assim o vazio introduzido no corpo infantil é preenchido. tornando-o corpo ilusório. corpo para culto e serviço. pessoa santificada que guerreará por toda sua vida contra os prazeres egoístas. abstrações e espectros combatendo o histórico de uma materialidade. mortalidade subjugada. neste momento a “vida verdadeira” acaba por fixar-se da forma mais opressiva possível: sacralidade. o grande entusiasmo! origem de toda religiosidade. entusiasmado, apenas se vive enquanto a lei aí vive. caso contrário, nunca se estará seguro de sua vida. assim, um jovem nunca poderá compreender um nasciturno.
[i.iv]. a renúncia a si mesmo – capazes de espírito, eis que é chegado momento. uma vida inteira de sentimentos impostos. sentimentos para que neles acreditemos e para que deles dependamos. necessidade maior do que para com o oxigênio. deus, pátria, família, liberdade, imortalidade, humanitarismo, democracia: todos sentimentos distanciados de suas idéias. pois estas ao menos podem ser reversíveis e abandonadas. nenhuma iniciativa nos é mais deixada. nos restando apenas o temor, o respeito, a veneração e a submissão. nenhum sentimento próprio. nenhum sentimento apropriado. por vezes, de modo repentino, volta o entusiasmo. com ele pretende-se atacar um velho poder, não um velho sentimento. apenas para legitimar outro poder de mesmo sentimento. perante a capacidade de espírito, perdemos qualquer sensação de poder e perdemos toda a coragem. tornamo-nos impotentes e humildes. descemos ao nível da nulidade.
[i.v]. do desleixo criativo à obsessão do aprendiz – já adulto a consolidação: impossibilidade de por em causa e em dúvida seus próprios axiomas. nenhuma dedicação, a não ser os interesses de sua mediocridade. dominado por uma única paixão que sacrificou todas as outras. unilateral, limitado e estreito. possuído por uma obsessão. sacrificado por “grandes idéias” e “grandes causas”. ferrenho defensor de uma lista de idéias sagradas e seus respectivos sentimentos imposto em sua infância. sua vida não é experimento de nada seu: interesses pessoais e profanos. é experiência de preceitos da moralidade: auto-humilhação da boa educação. ensinado. inculcado. herdeiro da liberdade adentro dos limites da lei. do ego infantil cresceu ao nível do superego maduro. verdadeiro “estado-de-exceção-de-polícia-secreta”: cristão, cidadão, liberal. um ente concreto obrigado a viver segundo leis conceituais.
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