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bem vindo e bem vinda. este é um labirinto herege: um desafio para medir a astúcia de quem me visita; um convite à exploração sem mapas e vista desarmada. aqui todas as direções se equivalem. as datas das postagens são irrelevantes. a novidade nada tem a ver com uma linha do tempo. sua estrutura é combinatória. pode começar de onde quiser. seja de uma imagem, de um texto, de um vídeo ou mesmo de uma música. há uma infinidade de escolhas, para iniciar a exploração, para explorar esse território e para finalizá-la. aproveite.

a insustentável cor branca da indústria cinematográfica brasileira

a insustentável cor branca da indústria cinematográfica brasileira
(uma resenha anarcopunk inspirada no livro o índio no cinema brasileiro e o espelho recente de juliano gonçalves da silva)

léo pimentel
[A]m[A]nt[E]:|:da:|:h[E]r[E]si[A]
cerrado, verão, 2023


o livro o índio no cinema brasileiro e o espelho recente[1], de juliano gonçalves da silva, é mais que necessário para se entender como a pessoa indígena e seus costumes, crenças e saberes são retratadas no cinema ficcional nacional. suas ideias que ai constam me serviram como aqueles óculos de sol que john nada encontra no filme they live (1988). é um excelente desvelador de “nosso” imaginário colonial e da “nossa” pretensão brasileira de participar da história ocidental. sua escrita é clara e sua dedicação é impecável. preciso no levantamento dos filmes e detalhado na caracterização deles. adorei o modo como desenrola o seu conteúdo. é ação direta via as palavras. tanto que a cada página que eu lia, um turbilhão de inspirações me inundava. foi então que tive a ideia de usar o livro de juliano de cabeça para baixo. resolvi fazer a antropologia reversa que ele sugere logo em suas primeiras páginas.

decidi fazer o experimento de ver a branquitude retratada no cinema brasileiro nos mesmo filmes ali levantados. como um espelho invertido, daqueles de parques de diversão, para, tanto rir da autoretratação cinematográfica branca, quanto para prepararmos nossas bodurnas, arcos e flechas a fim de domesticar essa branquitude. para pessoas interessadas em outros texto para ampliar essa inversão, lembro pierre clastres quando se perguntava “de que riem os índio?’ e também das constatações de cristhian da silva em seu “cativando maíra”, que mostra as táticas avá-canoeiras de sobrevivência física e simbólica no mundo do poder dos brancos. sim, indígenas não são nada ingênuos em suas considerações sobre o modo de ser dos não-indígenas. assim, guardei todas as categorias que juliano levanta, em meu cesto de capim dourado, para me servirem como parâmetros reveladores da auto visão branca.

juliano prepara sua rede dizendo que o cinema articula sua linguagem para construir um discurso audiovisual sobre a sociedade. e para isso, tal tipo de discurso faz uso de paradigmas e estereótipos. no entanto, tais não surgem do nada. há uma longa, persistente e poderosa construção por traz deles. constructos estes cujas bases fincam raízes profundas em preconceitos e intolerâncias formadores da sociedade brasileira. basta lembrarmos que o projeto “civilizatório” brasileiro é, no mínimo, duplo: por uma via há o projeto espiritual, aberto pelos jesuítas na época da invasão e hoje potencializados pelos evangélicos neopentecostais, e pela outra via, o projeto material, aberto pelos portugueses com a escravidão indígena, seguidos pelos bandeirantes assassinos e continuados hoje pelo agronegócio e pelas mineradoras – pois o ser indígena se funde com o ser-terra. a branquitude é muito mais do que a cor da pele, ela é a própria atitude de aniquilação do não-branco em todas as esferas da existência.

outra ideia poderosa de o índio no cinema brasileiro e o espelho recente é a de que o filme de ficção é senão uma realidade imaginada. assim sendo, é de total responsabilidade de quem o concebe, dosar os graus de realidade e de irrealidade neles. devidamente responsabilizado, podemos ver quais são os limitadores intencionais ou não do voo de sua imaginação. diz-se muito sobre o(s) autor(es) e sobre a(s) autora(s) de uma ficção quando verificamos o que tais consideram ser verídico, verossímil, incrível, possível, idealizado, estilizado, como também vermos os objetos escolhidos para compor por eles/as para compor as cenas, as formas e os ritmos da edição, e músicas elencadas como trilha sonora.

se por um lado temos a visão de mundo, pensada como algo já dado previamente, e assim sendo, serve ao/à realizador/a cinematográfico como um gerador, e afirmador, de sua imaginação audiovisual, há por outro lado a importância de termos em conta a seguinte questão: porque tais não fazem de seus filmes reflexões audiovisual? por exemplo, porque um personagem não pode ser uma espécie de conceito cujos dramas em tela, não sejam a própria problematização de sua construção? se o imaginário da ficção se propaga na estrutura da “saga do herói”, porque não seria um drama heroico o/a próprio/a cineasta fazer uso do personagem criado para testas sua imaginação prévia? mais uma vez, o que impede sua imaginação de se desenvolver para lugares até então não imaginados por tais?

e ainda, se de uma perspectiva criativa desenvolve-se a objetividade fotográfica e a subjetividade musical, está contida nela como componente crucial de criação artística, a subjetividade do olhar de quem fotografa e a sua objetividade na hora de compor, ou escolher, uma música. portanto, toda imaginação audiovisual é interessada. ou, mais profundamente falando, se há imaginação, há interesse.

assim, nos voltamos a pensar sobre o que deve estar passando pela cabeça do/a autor/a cinematográfico na hora em que este/a está envolvido/a na construção dos personagens indígenas. qual imaginário ecoa no cinema brasileiro, quando vem à tela o gestual e as expressões faciais de um desses personagens? o que significa estabelecer assim ou assado, sua postura, seu perfil psicológico, suas respostas ao que é posto em cena? impossível não pensar tudo isso como sendo um espelho da branquitude que os constrói. juliano toma de empréstimo as ideias de “alegoria”, “festa” e “máscara” para construir as ferramentas necessárias para se adentrar no que ele chama de “análise do discurso gestual” na criação do personagem indígena. isso é muito importante para olharmos bem dentro dos olhos de quem o concebe. pois, por exemplo, quando se constrói o indígena ignorante, tolo, indolente, infantil e estranho, encaremos a branquitude, a peguemos pelo seu colarinho e perguntamos: “quais as suas intenções com essa construção ein cara pálida?”. mesmo quando se faz uma construção positiva da pessoa indígena, não devemos baixar a guarda e temos que lhe fazer a mesma intimação.

isso para que intimemos a branquite a responder por sua própria condição conceitual de assim se colocar no mundo. se para ela é tão confortável e corriqueiro generalizar grupos humanos sob uma concepção abstrata, o inverso também deve valer o mesmo: autogeneralização megalomaníaca. neste sentido o autor e a autora cinematográfica não-indígena se coloca dentro de outras generalizações para se reconhecer a si mesma na tela. coisas do tipo “classe dominante brasileira”, “ocidental”, “filhos/as diretos/as das burguesias europeias”, “cultura brasileira integrada nas grandes questões da humanidade”, etc. daí perguntamos: a quem se quer imitar? para quê fins almejados são levados em conta para fazer esse tipo de autodiferenciação? quais fios de histórias são esses que pretendem tecer nessa filmografia autoafirmativa?

com essas questões intimadoras como guia, surge uma curiosa historiografia de nossa antropologia reversa sugerida no livro de juliano:

momento um: branquitude vendo a si mesma como civilizados e partícipes de uma cultura avançada, letrada e madura, diante de “índios” selvagens, balbuciantes e infantis;

segundo momento: branquitude vendo a si mesma como ápice da moral e dos bons costumes, quando exercita seu perverso gesto de dar um prêmio de consolação, a romantização do “índio”;

momento três: branquitude fazendo mea-culpa, criando ficções-armadilhas como “identidade mestiça” (gilberto freire) e “integração nacional” (darcy ribeiro) do “elemento indígena” (governança política) na cultura brasileira integral (projeto de nação).

estes momentos trazem à tona rastros da psique branca que vão desde a agressão direta, devido a um sentimento de superioridade colocado abertamente às claras, ao passivo-agressivo, cuja superioridade é sentida no sigilo, numa espécie de sutilizar os processos de apagamento e de marginalização.

juliano finaliza seu livro o índio no cinema brasileiro e o espelho recente com uma mensagem-molotov cujas as chamas devem iluminar nossas miradas insurgências: ou nossa imaginação audiovisual é uma construção a partir do próprio modo de ver o mundo e o cosmos de cada etnia indígena, e a partir disso florescer uma verdadeira conversação de múltiplas vozes e miradas, ou é só a manifestação, voluntária ou não, em nossas imaginações, da branquitude determinando valores e atitudes para fazer valer sua sociedade faminta por ser a única, monocultural e unidimensional. sabe aquela história de que nossa liberdade só tem início quando matamos o opressor que há escondido em nós? então, é por ai.

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[1] o livro foi lançado pela editora autônoma monstro dos mares: 

[2] baixe o texto em pdf aqui: 





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