há uma tensão na história do pensamento entre dois modos de pensar e de se seguir pensando: escritura e oralidade. na primeira, pensa-se sobre o que se escreve; na segunda, sobre o que se fala. da escritura formam-se sociedades “históricas” (invenção da escrita), da não presença (distanciamento), do simulacro (a visão como percepção central), da escrita como índice de lei e do poder político como coerção. da oralidade formam-se sociedades “pré ou a-históricas” da presença (proximidade), da memória viva (a fala e a escuta como percepções igualmente centrais) e da oratória como tarefa de transmissão cultural e de poder político não coercitivo. do primeiro tipo social, pensar se estabelece como atos de fala; do segundo tipo, como atos de escuta.
empiricamente, o curioso é que, nas sociedades “históricas”, quanto mais se escreve e se fala, menos se tem o que dizer – portanto menos se tem para ler e ouvir – e quanto mais se escuta, nas sociedades “pré ou a-históricas”, mais se tem aberta a possibilidade de se ter algo a dizer. interessante inversão nessa curiosidade: pois, o que ocorre, é o exato inverso do que as sociedades letradas costumam pensar sobre as sociedades da oralidade: escrever está muito mais para repetir o que já foi dito, do que na oralidade. a memória mumificada pela palavra escrita é menos plástica e dinâmica do que a memória viva da palavra falada. um excelente exemplo disso é a relação estática, conservadora e normativa das gramáticas e dos dicionários com a língua e a relação dinâmica, fluida e descritiva da linguagem nas prisões e nas periferias.
do exemplo acima, toda a filosofia da linguagem dirige sua atenção: tem o discurso e a argumentação como ponto de partida, por considerar que a fala é algo muito mais ativo do que a escuta em um diálogo. dessa perspectiva, a fala está para a filosofia da linguagem como um ato e a escuta não. mesmo que ela aponte à pragmática (usos), aos efeitos e às consequências dos atos de fala como relevantes para a discussão filosófica. no entanto, tem-se para análise, uma predileção pelas condições de realização e pressupostos de um ato de fala, em seus aspectos formais (abstração dos usos específicos do significado dos termos) e semânticos (consideração do significado dos termos independente de seus usos) do que propriamente pelos seus aspectos informais (variáveis), indiretos (implícitos), incompletos (fragmentários), oblíquos (multiplicidade) e dialógico (consideração da linguagem em uso em sua polissemia dos termos e sua multiplicidade de contextos).
como é o pensamento e não a filosofia que mais me interessa, farei de meu pensar um experimento na tensão entre escritura e oralidade, para afirmar, a escuta como um ato de múltiplas dimensões. e como tal, tão importante quanto à fala para uma futura filosofia da linguagem. não há implicaturas conversacionais se escutar não for algo ativo, na mesma medida que o falar. falantes e ouvintes atuam ao mesmo tempo de modo fragmentários/as, indiretos/as, implícitos/as e variáveis. tanto falar quanto escutar são ações interativas, não uma simples relação entre alguém que emite e outro que recebe. e o mais interessante aqui, para uma futura filosofia da linguagem, é a impossibilidade de semantizar a análise dos atos de escuta – como se costuma fazer quando se trata dos atos de fala. analisar os atos de escuta é, antes de tudo, estabelecer um método crítico e reconstrutivo – pragmático, portanto – que torna explícito os implícitos da ação de escutar. assim o farei.
[continue lendo o texto aqui: http://pt.scribd.com/doc/94083661/atos-de-escuta]
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