“danem-se! eu não sou um índio, sou um aymara!
mas você me fez índio e como índio lutarei pela libetação!”
– fausto reinaga (aymara)
sendo pelo estupro, a gênesis do povo brasileiro, nós, bastardos e bastardas, trazemos um problema irreversível aos dias de hoje: somos responsável (aos nossos cuidados) pelo como fruímos a mestiçagem. todo o sistema cultural brasileiro não gira em torno da guerra nem da vingança contra os violadores. como também, em seu momento de independência, o sistema cultural brasileiro não levou em consideração, indígenas, negros e negras africanas, como participantes ativos e ativas na constituição de um projeto nacional. jamais atualizamos tais memórias. o sistema cultural brasileiro prefere o cinismo e o ocultamento. uns usam ambas como estratégias de manutenção de privilégios. outros e outras as usam como um levar a vida como se nada de negativo tivesse acontecido. ou mesmo, como um levar a vida da perspectiva de que o passado já tivesse, pomposamente, sido superado pelos ideais de civilidade, ordem e progresso. o mesmo cinismo e ocultamento que, atualmente, trabalhadores e trabalhadoras mantêm em relação a seus patrões e patroas. o mesmo cinismo e ocultamento de escravos e escravas que tiveram a oportunidade de fugir para quilombos, mas preferiram dedurar a existência dos mesmos para seus senhores. o mesmo cinismo e ocultamento dos capitães do mato escravo-descendentes. o mesmo cinismo e ocultamento dos bandeirantes com ascendência indígena. o mesmo cinismo e ocultamento de ativistas de esquerda que brigam entre si na ambição pelos postos de donos da causa. quantos revolucionários e revolucionárias desejam revoluções sem nada revolucionar? mas voltemos ao caso de nós, bastardos e bastardas, ou melhor, de nós, mamelucos/mulatos e mamelucas/mulatas: descendentes dos colonos estupradores com as indígenas e negras estupradas. nossa responsabilidade, ou melhor, os nossos cuidados para com o fruir a mestiçagem se dá, na medida em que, temos a função de mediadores culturais! por um lado, realizamos práticas indígenas e africanas e, por outro, realizamos práticas europeias. o problema é que nesta realização sempre faz-se a opção por guiar as tropas de colonos à caça de indígenas escravizáveis e por comandar guerras contra indígenas hostis e contra escravos e escravas fugidas. tais realizações cínicas e ocultantes servem para destruir toda nossa memória negativa ancestral (o pessimismo estrutural de povos invadidos, desterrados e sacrificados em nome de uma nova ordem) e aniquilar qualquer foco de resistência.
sendo estes parágrafos um panfleto, evoco as consciências para o modo como fruímos nossa mestiçagem! que tal darmos uma chance aos nossos antigos congressos noturnos? onde ali estavam anciões e anciãs não sensíveis à concessão de honraria por parte dos estupradores! tal abandonarmos o sonho milenarista de refundar o mundo a partir de bases cristãs? principalmente desocultando que seu fundamento é a misoginia. por exemplo, a velha indígena era a figura social que mais incomodava os missionários jesuítas. isto por que elas carregavam a cultura dentro de si, especialmente na condição de serem proficientes no uso das matérias-primas de seu mundo e na condição de serem as responsáveis pela condução cerimonial. que tal darmos uma chance ao nosso vácuo simbólico (representações, imaginário, sonhos e pensamentos) e assumirmos a desconfiança pelas promessas de desenvolvimento onde temos que abrir mão de nossa memória violada? ser mameluco/mulato/bastardo e mameluca/mulata/bastarda não é paradigma nem de inferioridade, nem de superioridade. é paradigma de mediação. mediação insurgente e arcáica. insurgente por revolucionar a tristeza dos “vencidos” tornando-a contramemória (auto-arqueologia). arcaica por negar o orgulho dos “vencedores” tornado memória oficial.
léo pimentel, tlamatini negativo
Comentários:
Postar um comentário