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bem vindo e bem vinda. este é um labirinto herege: um desafio para medir a astúcia de quem me visita; um convite à exploração sem mapas e vista desarmada. aqui todas as direções se equivalem. as datas das postagens são irrelevantes. a novidade nada tem a ver com uma linha do tempo. sua estrutura é combinatória. pode começar de onde quiser. seja de uma imagem, de um texto, de um vídeo ou mesmo de uma música. há uma infinidade de escolhas, para iniciar a exploração, para explorar esse território e para finalizá-la. aproveite.

apologia de house: um experimento de ética negativa com o conceito-imagem dr. house md

glossário para a realização do dr. house como um médico-filósofo negativo

conceito-imagem [1]: desmontagem da imagem como alucinação e remontagem da imaginação; capacidade de restituir as dimensões abstrativas da imagem; a imagem surge como um passo em direção ao mundo; função dialética da imaginação e da conceituação.

dr. house md: meta-ficção dentro da ficção; personagem caracterizado pela falta de ressentimentos, pelo oportuno desrespeito pelos comportamentos conformistas e pelo desprezo pelas éticas afirmativas; combinação de paixão, perícia e não ortodoxia; lógica holmesiana (sherlock Holmes).

ética negativa: “trata-se da ética daquele que procura viver e morrer segundo as opções morais decorrentes dessa análise negativa da condição humana”; reflexão radical sobre o valor da vida humana; “seu viver não será um indefinido proteger-se, mas um risco”; (cabrera, 2008, pg. 28)

experimento: vontade de superar a gravidade conformista; prazer da resolução em si; coragem de se afirmar; dar estilo à própria personalidade; libertar-se da culpa, vergonha e amargura; libertar-se do passado; desinteresse pelos artifícios de preservação da vida.

apologia de house


primeira parte: o acusado não dá a mínina

não sei, mas... como é possível utilizar todo o nosso aparelho perceptivo, para não perceber? de minha parte, ao olhar vejo, ao ouvir ouço. aqueles ali, resistem. aqueles dali fazem prodígios. tudo para que as informações exteriores concordem com a ordem de suas expectativas e desejos. por exemplo, atribuem valor intrínseco à vida humana. recusam o que vêem e ouvem o que querem ouvir. empurram o desvalor da vida humana para o plano dos entes. não felizes com tudo isso, ainda decidem por uma verdade de uma vez por todas! e dela, nunca mais falarão. nada mais se falará de procriação, suicídio e heterocídio. estabelecem uma zona inviolável! conjuração alucinatória no plano do ser. proteção antecipada; “per se”. refutação a priori. eis que inventam a corrente e o cadeado para vincular moralidade e condição humana. eis o fenômeno mais próprio de quem possui uma ética afirmativa: a recusa da percepção. doloridos recusando a natureza dolorosa da existência. desse modo, utilitaristas, aprioristas, contratualistas, blá, blá, blá, se protegem da realidade que lhes opõe. ocultam a negatividade, a dor, e a inabilitação moral. ignoram o real, pois seu reconhecimento pode acarretar algum desagrado. ocultam a capacidade de sofrer o real, administrando doses diárias de valor intrínseco e a suspensão do mesmo arbitrariamente. esse ocultamento e administração tornam-se habilidades de eliminar qualquer real que os aflijam. no entanto, esse modo de ignorar e essas habilidades estão associadas diretamente ao ódio e ao ciúme. eis as paixões que os movem, antes de qualquer racionalidade. suas intuições são meros resíduos do pensamento religioso; nada conseguem sustentar racionalmente. ouço, todos os dias pelos corredores desse hospital, perseguições manifestas a cada ato, a cada palavra e a cada intenção minha. a importância que dou à elas? resta-me apenas zombar dessa distinção ilusória entre o ato, a palavra e a intenção. zombar tanto daqueles que repreendem minhas intenções e inocentam meus atos e palavras no final das contas, quanto daqueles que inocentam minhas intenções e repreendem meus atos e palavras no início das contas. a ilusão dessas perseguições é a mesma. assim não dou a mínima para a distinção entre o feito e o que se pretende fazer, e entre o dito e o que se pretende dizer. tudo isso está igualado pelo nada de seu desvalor. não sei. mas... como é possível utilizar todo o nosso aparelho perceptivo, para não perceber? de minha parte, ao olhar vejo, ao ouvir ouço.

segunda partedeclarado infeliz, house prefere algo melhor que a felicidade

ah, as prostitutas... estas guardiãs da verdade crua e nua de que é inútil esperar da realidade mais do que ela pode dar... da verdade crua e nua de que nada pode, por si só, trazer a felicidade... o prazer sexual com elas revela o comum a qualquer tipo de felicidade: haver uma notável defasagem entre o prazer esperado e o prazer obtido... estar com prostitutas chama o pensamento para responder sobre sua pretensão de reconhecimento universal... o orgasmo é somente condição. não carrega nenhum vício inerente ao totalitarismo da felicidade. não carrega nenhuma eterna regra própria ao fanatismo da felicidade. é uma virtude-pecado; um pecado-virtude. prostitutas não julgam. por isso as amo. melhor, simplesmente, amo estar na companhia delas. estar acompanhado por elas nada tem a ver com a comum escapatória à existência dolorosa e fugidia em prol do ser eterno feliz. 

ah, e meus comprimidos de vidodin... eles também não significam acomodação à vida. muito menos significam viver no registro da resignação e na falta de coisa melhor. por isso digo que o pior dos vícios, o mais selvagem enquanto força, é o de menosprezar o que é próprio em mim e em tu. a felicidade é uma ilusão efêmera que pensa ter acabado com a natureza dolorosa da existência. a felicidade é uma mitificação da vida humana. para mim é suficiente meu autocontentamento particular. contentamento singular que me torna, a um só tempo, indiferente à felicidade e à infelicidade. ambas são apenas opções opostas e igualmente viáveis. assim me recuso ser complacente para com qualquer que seja o pretenso caminho tanto para a felicidade quanto para a infelicidade. estas não são condições de necessidade. apenas preservam uma existência neurótica e de mentira permanente. me é suficiente meu saber viver. e olha que não há nada de mais duro e penoso que essa sabedoria indiferente à vida indiscutível e eternamente desejável. Assumo todo e qualquer risco. viver indefinidamente protegendo-se nada mais é do que o caráter neurótico da esperança. não sou universalista muito menos prescritivista. sou suficiente. 

prostitutas e vicodin não são atrativos de uma outra vida melhor que eu jamais viverei. nem mesmo pior. não sou um cara exausto e niilista. muito menos estou esgotado. mesmo sendo médico não mantenho minha atenção e meu entusiasmo sobre aquilo que poderia haver. sou fiel à nua e crua experiência do real. minha opção moral se coloca ao lado de qualquer outra sem pretender ser a única possível. esta crueza que tudo horizontaliza é minha providência pessoal. é ela que me leva aos momentos oportunos. minhas intenções, palavras e meus atos não tentam desviar da evidência da morte, da dor e do sofrimento. não tentam desviar da evidência do efêmero e do acaso, estes que a todo tempo garantem minhas deduções e soluções de problemas. minha medicina não é uma filosofia-remédio chamada para testemunhar contra o desvalor da vida humana no plano do ser. é uma tomada de decisão singular e própria, tal qual não-procriar ou me suicidar. o meu melhor que ser feliz ou infeliz não é um simples assunto de psicologia, implica sim um conhecimento desde dentro. um conhecer eviscerado. é um saber da desilusão. é insensato e um contra-senso como toda a realidade. 

terceira parte:  condenado à vida, house permite-se o luxo do acaso e do artifício

pois bem, aqui estou completamente livre. posso cultivar em mim o que eu bem entender. assumo o risco da dor como uma secreta aliança entre trágico e jubiloso. não esta dor que sinto em minha perna. esta que vocês insistem em ver como pretexto exterior de meu suposto sofrimento. assumo o risco da dor fundamental de estar no mundo, provação e prova. a dor estrutural que a existência nos impõe: evidência da morte, do efêmero, do sofrer. dor imposta como exigência na qual temos que tomar uma posição. não uma posição de esperança ilimitada e luminosa. como as esperanças que nada mais são do que disfarce, indício de falsidade e ocasião de logro. mas uma posição onde eu possa estabelecer outras relações. as relações que eu bem quiser. seja ela pessimista, triste ou mesmo niilista. não me venham condenar a uma falsa e medíocre alegria. estou absolutamente à vontade em minha existência não dissimulada. o remorso da consciência é indecente. sou livre para cultivar minhas qualidades mais elevadas sem o menor pudor. cultivo minha tristeza, minha melancolia e meu humor crepuscular com todo o luxo que me permito. sim, é a luxúria provinda dessas qualidades que me tornam exuberante. e vou mais longe! minha posição diante a existência está em plena harmonia com minha atuação médica. saber da desilusão. 

sei que, enquanto faço algo para salvar a vida de meus pacientes, suas próprias vidas estão desfazendo, tanto o feito quanto a si mesmas. o horizonte de atuação é sempre o mesmo: indeterminação, incerteza e despejo. e é justamente por causa desta condição negativa fundamental que me solidarizo com meus pacientes. nem eu nem eles temos algum valor estrutural. assim, os respeito. condenados à vida... condenados à morte ao nascer... sim, é o mesmo princípio que nos gera é o que nos mata: nascimento. ah, esse ato violento de nos impor a existência. certamente, a única cura possível é não ter nascido. ah, a inconveniência de ter nascido... também como médico invejo tudo o que é não-ser. não-ser do ente. não-ser doente. minha única inveja e lucidez. e por falar em lucidez... há pessoa melhor neste hospital para lidar com os elementos trágicos e inegociáveis da vida? essa é minha virtude. admito atuar fora da moralidade na maioria de meus comportamentos. pois desse modo posso constantemente insurgir contra todas as moralidades da totalidade. estes delírios de grandeza que a todo tempo tentam justificar moralmente ações terríveis. a ética é somente uma, dentre muitas outras, dimensão de justificação das nossas ações. na mesma medida sou inabilitado tanto para moralidade quanto para imoralidade. 

ah, e não esqueçamos mais uma dialética crucial! a gratidão também é mistificação de miseráveis. doloridos que ultravalorizam a ausência de dor. e agradecem o alívio. a maior riqueza do miserável é sempre o mais insignificante. insignificância planejada como algo da mais alta importância no planejamento da afirmatividade vigente. por isso não escondo de ninguém que seu otimismo é parte de sua miséria. da esperança de gratidão e alívio. e assim, miseravelmente, todo mundo mente. contra isso, não a paranóia pela verdade. sim, saibamos utilizar nossa mortalidade contra todo tipo de projeto infinitista de vida. sabedoria, sempre reativa, crítica, opositora e desestabilizadora. sabedoria triunfante com as de hercuile poirot e a de sherlock holmes. e por falar nisso... que venha o próximo caso!

léo pimentel [junho de 2011]


nota:
[1] idéia apropriada de:
cabrera, Julio. cine: 100 años de filosofia. una introducción a la filosofía a través del análisis de películas. gedisa, espanha, 1999.


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bibliografia:

cabrera, Julio (org.). ética negativa: problemas e discussões. editora UFG, goiânia, 2008

______. “políticas negativas y ética de La libertación: ¿es posible ser un pesimista revolucionario? (mi encuentro con enrique dussel) (2002). en análisis y existencia – pensamiento en travesía. ediciones del copista, argentina, 2010.
filmografia

house md. (seriado de tv). criador: david shore. elenco: hugh laurie, robert  sean leonard and lisa edelstein. produtores: heel & toe films, shore z productions, bad hat harry productions, moratim productions, nbc universal television e universal media studios. usa, 2004-2011.

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