Pelas “Mil e uma noites e outras histórias” de Daniel Figueiredo
fui tragado por movimentos circulares das coisas que insistem nos
mediar: a cama de todas as noites; as panelas nossas do dia a dia; os
pisos que recebem nossas solas de idas e vindas aos mesmos lugares; o
carrossel que… olha… de novo, e de novo; os óculos de geração
a geração; o celular com sua eterna rolagem (erótico, mas por
melha semelhança da palavra); e, por fim… a mesa, aquela que
perpetuamos o nosso nada. Interessante é que todas elas não se
tornam nossas memórias artificiais. No entanto, com elas vivemos em
nuvens. Ou seriam em névoas? Pelo menos ainda não temos i-brumas.
São objetos rolando pelas tramas das nossas repetições, os
condenamos a uma condição linear inercial. Sim! Nós fizemos isso!
Pois não há linhas retas na natureza. Nossa obsessão por cosmos é
que deseja alinhar todo o caos das curvas. Por isso daniel
sinuo(u)sa…
Acordo sempre no mesmo quarto,
mas a porta nunca está
exatamente como a deixei ontem.
Repito o gesto
— abro a janela,
olho o pátio,
conto meus passos até a mesa —
como quem cumpre uma ordem
cujo decreto nunca foi entregue.
Há rumores…
de que um dia,
algo decisivo aconteça:
um sinal,
uma interrupção no ar,
um acontecimento que absolva
todas as manhãs anteriores.
Mas os dias seguem
comparecendo uns aos outros
como testemunhas cansadas.
Como as portas...
Tento lembrar
se já vivi isso antes,
mas a memória falha,
sou um arquivo mal catalogado.
O passado não confirma nada.
Meu gesto retorna.
Não porque seja igual,
mas porque não há saída.
Ainda assim... algo se deslocou:
a xícara pesa diferente na minha mão,
ao meu silêncio respondo com outro tom,
meu corpo hesita meio segundo a mais
antes de aceitar mais este dia.
É aí que algo raro acontece:
sem anúncio,
sem exceção no regulamento do dia a dia,
este instante se torna irrecusável.
Nada mudou.
E, no entanto,
tudo agora exige
ser vivido como se fosse
a única vez
permitida.
AmAntE da hErEsiA :|: léo pimentel
verão, cerrado, MMXXV

Postar um comentário