sugestões de uso deste blog

bem vindo e bem vinda. este é um labirinto herege: um desafio para medir a astúcia de quem me visita; um convite à exploração sem mapas e vista desarmada. aqui todas as direções se equivalem. as datas das postagens são irrelevantes. a novidade nada tem a ver com uma linha do tempo. sua estrutura é combinatória. pode começar de onde quiser. seja de uma imagem, de um texto, de um vídeo ou mesmo de uma música. há uma infinidade de escolhas, para iniciar a exploração, para explorar esse território e para finalizá-la. aproveite.

[conto] lArAknA em: nO sEiO da mAtÉriA Escura (out.2023)

 

No Seio da MatériA EscurA

léo (130) pimentel (pigmento+pixel) souto (soul to)
// [A]m[A]nt[E]:|:da:|:h[E]r[E]si[A]
// :;{cerrado:|:inverno:|:2023};:

 

Em 1534 iniciaram-se as capitanias hereditárias do brasil. Desde então, a violência da colonização portuguesa do território, a tão pouco tempo invadido, e logo transformado em violência brasileira, tenta apagar da história as respostas indômitas de povos inteiros que há muito ali existiam e prosperavam até aquele momento. Desde então, a brasileirização constitui-se como um processo continuado e sistemático de extermínio indígena que se estende até os dias de hoje, 2099. Ano este da nossa chegada aos territórios de brasilformação – as Capitanias Nacionalistas Agropentecostais. Onde os seus povoados brasileiros eram, nas suas várias práticas e costumes, estritamente os mesmos encontrados pela entropóloga negríndia A’irah Aurora de Anumaniá em 2023, em sua primeira expedição tempográfica. Eram idênticos. Haviam dois tipos de povos. Os que viviam em condomínios fechados, e os que viviam em favelas abertas. Encontramos a mesma luta de classe materializada no projeto urbanístico perpassando estes dois tipos de modos de morar. A mesma hostilidade dos chamados “povos fechados” contra os “povos abertos”. A mesma curiosidade dos abertos para com os fechados.

A única alteração constatável ocorrida na brasilformação de 2023 para cá, foi a gritante e estranha redução do número de patriarcas calculados naquele momento temporal. À época patriarcas eram identificados como “homens de bem”, “varões”, “abençoados” e “esquerdo-machos”. Primeiro se pensou que essas mortes masculinas aconteceram devido a causas naturais como, doenças cardiovasculares e respiratórias, câncer, ou suicídios. Logo se constatou que as mortes haviam sido provocadas por algum fator externo. As hipóteses iniciais dos desaparecimentos foram: ajustes de contas entre gangues, poder paralelo das milícias, guerra contra o tráfico e polarização política. Até que apareceram alguns relatos periciais sobre aquilo que chamaram de “assassinato por decapitação neurossomática”. Se esta foi a razão, até hoje é um mistério de como os assassinados foram realizados. Muites estudioses do assunto atribuem, a este extraordinário minguamento do número de patriarcas do Brasil, as primeiras e violentas aparições das…
 
(Fragmento 42 de Tristes Entrópicos – Morgana de Draconia) 
 
***** 
 
– a vida não é boa. pagamos para viver neste planeta. fome, dor, falta de ânimo e morte… envelhecemos, adoecemos, a entropia nos humilha, tudo nos ameaça. a predação é generalizada. eis a natureza contra nós. no entanto, é preciso que a gente construa nossa história. temos o instinto da utopia. outro mundo melhor é possível e praticável. e quanto ao desvalor do mundo? não há em nós nenhuma necessidade de criarmos ideais morais-religiosos para ocultá-lo. não sentimos decepção alguma. nem mesmo temos um deus, ou uma deusa, que tenha nascido para que anunciemos sua morte. o que nos machuca e nos incomoda não são as promessas de um além-mundo melhor, mas sim, é o ocultamento de nosso mal-estar primordial. o ocultamento de que não temos motivos elevados algum para nos fazer sofrer. já temos o nosso! não nos imponham o inferno de vocês!

estas são as últimas palavras, felizmente registradas em carvões de áudio-holografia, da primeira anciã das n3urom[A]tint[A]s_n3gr[A]s. palavras essas que consagram a sua grande sabedoria que orienta nosso povo há milênios. sabedoria cujo cuidado maior está direcionado às pessoas ainda não nascidas. às nossas patriarcidas por vir. é o futuro, desde a nossa temporalidade que estamos criando em sororidade expandida para toda a(s) humanidade(s). um tempo em que nossa história está sendo contada como a história da emancipação de todas as histórias, que até então, eram contadas apenas por patriarcas. é por este estado permanente de criação emancipada que pintamos nossos corpos com pigmentos-pixels de matéria escura. pintuta-armadura nanorobótica fluída. pintura-beleza antimaquiagem de constante mutação facial. pintura-guerra de guerrilha preparada para que o(s) mundo(s) jamais seja(m) velho(s), mas em permanente(s) começo(s). pintura-festa brincante para além do dia-a-dia. pintura-mortalha, símbolo de que a vida só pode ser julgada a partir dela mesma, sem ocultar que a morte é sua permanente companheira. é quem lhe constitui. pintura-lembrança já que jamais esqueceremos, mas sim, lembraremos, cheias de ira, que “não nos imponham o inferno de vocês”.

(Fragmento V de Expedições Tempográficas de A’irah Aurora de Anumaniá) 

*****

(…)

Atualmente?

É com imensa alegria que anunciamos que estamos muito perto de uma compreensão completa da natureza da energia escura. Inclusive por termos conseguido construir, sem falsa modéstia e com delicada e cuidadosa maestria, um modelo teórico cuja finalidade é explicar como um motor pode funcionar usando energia escura como fonte. A pista nos foi revelada logo após os primeiros testes que realizamos no inspirador Campus do Hipercérebro em Nova Macíba, no Rio Grande do Zênite.

(…)

Energia negativa!

Sim, nossa possibilidade, prestes a ser tornar realizável, é capturar a energia escura e convertê-la em energia útil para nossa tecnologia insurgente. O coletivo de físicas teóricas Tuirá Kayapó foi quem propôs a hipótese, prestes a se tornar teoria física, de que a energia escura poderia ser capturada usando a recém descoberta "energia negativa" e, em seguida, ser convertida em energia utilizável. Possibilidade aberta pela comprovação de que a energia negativa é a propriedade fundamental do vácuo quântico. É ela que permite a criação de partículas com massa negativa. E são justamente essas partículas que usamos para gerar energia.

(…)

Há outra possibilidade que também está nos proporcionado intensa alegria e entusiasmo.

Estamos prestes a desenvolver uma tecnologia, há muito sonhada por entusiastas das viagens extemporais.

A energia escura será utilizada para criar um campo de energia que impulsionará um traje para viagens espaço-temporais. Graças ao nosso supercondutor em temperatura ambiente, Caliandra M87, Aperfeiçoamos o “motor de Alcubierre” de modo que nosso traje será colocado numa bolha espaço-tempo para se mover a uma velocidade muito mais alta em relação ao espaço à sua volta.

(…)

(Trecho 4b02 da Apresentação de Trabalhos Premiados pelas festividades de comemoração do 500º Congresso Holográfico da Federação de Sociedades de Física)
 
*****

– Ei! Você ai! – disse a voz rouca de alguém que acaba de acordar de um longo sono, ao mesmo tempo em que senti o frio de uma mão pesada de espinhos em meu ombro, vinda por detrás de mim.

– De que região você fala? – pensei, sem conseguir que minha voz fosse pronunciada. Eu também não sabia como havia chegado aqui. Estou confuso. De quem é essa voz que já me faz sentir tantos tons de pavor? No entanto, ouvi, da mesma voz, só que vinda de algum lugar em frente de mim, palavras que pareciam responder essa minha questão impronunciada.

– Desde além do universo visível. Desde flutuações estranhas na densidade da matéria do universo. De um lugar onde não podem me detectar diretamente, seja por telescópios, seja por qualquer outra forma de detecção por radiação eletromagnética. – ouvi a rouquidão, era profundamente gutural, reverberando em mim desde dentro. A senti como se fosse a voz do próprio diabo em pessoa falando comigo. Mas tinha algo de feminino naquela voz que parecia acordar naquele momento.

– Há algo fluido pinicando minha pele. Como se pequeníssimos cristais, se movendo feito os grãos de açúcar, espetassem minha pele desde meus ossos. Tenho a sensação de que mergulho em plasma. Só que invertido. Pois me sinto estar do avesso. Há uma estranha movimentação tumultuosa, sinto uma dor pulsante. Parece que respiro pela pele. Meu sistema nervoso está exposto. Aqui é o inferno? Aqui só pode ser o inferno! – eu não sabia como essas palavras puderam saír de minha boca. Primeiro por que eu jamais poderia ter dito algo com tamanha precisão. Segundo, porque não sentia a minha boca. Certamente fui possuído por algum espírito maligno. Mas sinto que ele, ou ela, talvez seja tão antigo quanto o tempo. Será este o motivo da sua rouquidão gutural?

– Não vê a fronteira que nos separa? – fronteira? Pensei. Eu ainda não conseguia ouvir minha própria voz, a não ser desde dentro de minha cabeça, que latejava como se eu tivesse tomado toda a cachaça produzida em meu engenho. Mas… não sinto minha cabeça! Como é possível? Cadê ela? Eu, João Batista? E a voz que ouço? É você Salomé? Como isso é possível?

– Você terá as respostas que precisa ouvir, não as que você deseja ter, logo ali no limiar entre aquele pântano e os girassóis! – agora haviam duas mãos frias em meus ombros… sinto meus ombros? E uma terceira, mais pesada, mais espinhosa e mais gelada ainda, direcionando minha cabeça. Cabeça? Agora tenho cabeça? Como é possível que eu ouça o sibilar de serpentes! Eu, Perseu? E esta a vingança da Medusa? Que terror indescritível! Jesus autem tacebat! O pântano é escuro, horrível. Mas um escuro... rubro? Não negro como eu esperava? Parece um monte de vísceras expostas! Acho que há ossos e cabelos emaranhados. Mas não me é estranha essa paisagem. Me é extramente familiar. E os girassóis parecem estar ressecados. Há uma vegetação parasita sugando suas forças vitais. Não são insetos. Parece uma vegetação feita de homúnculos emaranhados...

– Agora você pode me ver em detalhes. Mas jamais me entender desde meus próprios termos mais sutis. Eis uma de minhas formas: dt/dδ + v da/dδ = − 3 a/a δ + 3 a/a ˙v + k²/a²v Abstrato demais? – sim! É o diabo! Vade retro Satana! Agora sim eu posso ouvir minha voz saindo de minha garganta. É pavoroso! Sinto sangue seco em minha boca. Ouço minha voz soando como aqueles gritos incompreensíveis quando se desperta de um pesadelo. Medo! Sinto muito medo! Mas o meu pavor não vem daí, desse despertar. Não sinto estar despertando de pesadelo algum. Mas estou mais desperto do que nunca! Sinto dores insuportáveis e paradoxais! Como posso sentir tudo isso desde a não existência? Penso! Sinto! Mas não existo?

– Senta-te naquela pedra fundamental de teu pelourinho. Não és belo este seu trono? – Descanso? Chegou a hora do meu derradeiro descanso? Ou o merecido descanço do guerreiro? Não! É o prenúncio de um cortejo fúnebre! É o exato momento que antecede a minha morte. Mas já estou morto, não estou? Sinto como se eu fosse um pêndulo oscilando entre o mais intenso pavor e a mais indescritível dor!

– Enfim o momento de minha maior lucidez? O exato instante em que todo o conhecimento do universo passa diante de meus olhos? Sim! Compreendo! Isto tudo não é expressão extramoral alguma. – gritei! Eis minha voz projetada para o mais longe possível! Certamente este gênio malígno possuiu minha alma para dar-me uma lição moral. Agora vejo! Para mim, não há redenção, misericórdia ou mesmo há uma segunda chance. Meu fim está próximo? Não! Longe disso! Ele é permanente! Danação eterna! Aaaaahhhh! Reviverei eternamente esse fim?

– Afunda-te nesse lamaçal de sangue pulsante, quase coagulado. Neste rio da cor viva do urucum. Nestas flutuações de dores insuportáveis, de lamentos impronunciáveis, de humilhações jamais reparadas. Nenhuma crueldade mais contará sua história. No entanto, esses seus últimos fios de consciência serão reverberados pelos séculos passados e futuros. O sempre reverberá para todas as direções do tempo e do espaço. Nunca mais patriarca algum deitará tranquilamente sua cabeça em seus travesseiros. Desperta-se aqui o maior do seus horrores e das suas dores! – essas palavras me fizeram amaldiçoar cada átomo que constitui minha existência masculinista. Porque vejo que o tumulto de tantos pavores em meu espírito é decorrente, não de meus pecado adquiridos ou projetados em heranças hereditárias e de costumes, mas do medo de ser objeto de vingança feminista! O medo da autonomia de cada Lilith que abita cada pessoa feminina como uma das partículas fundamentais de minha matéria. Maldição! Esse terror petrifica meu semblante. Mas que rosto tenho? Qual é a forma de meu corpo? Aaaahhhhh! Esse terror é a própria energia que me constitui enquanto matéria.

– Sim! Toda a riqueza gerada pelo sofrimento e pela exploração que lhe proporcionou tua educação acima da média, servirá para fechar sua conta. Ou melhor, a conta de todos como tu! Cada hora livre que lhe garantiu a contemplação necessária para desenvolver seus pensamentos, tem o peso da escravização de outros que trabalharam a duras penas. A aridez de seu intelecto nos servirá para que nossa mensagem jamais seja esquecida. – maldito demônio! Não! Maldita e sedutora demônia! Estas palavras esclarecem essas minhas reflexões. São sabedorias de onde não mais resta carne alguma para alimentar os vermes desde meu sepultamento. Ouço sua risada. Não tenho mais sensibilidade. Sou apenas intelecto dolorido e cheio de medo. Agora percebo o que sou. Sou o pavor que habitará cada coração patriarcal do passado e do futuro.

(Pergaminho de Luz 1867, digitalização não autorizada de espíritos, trecho final, Amazônia, da Caverna 7 de Kunângue)
 
 
*****

SENTENÇA

Processo Criptodigital nº 63756c70616461
Classe - Assunto: Interdito Proibitório – Banimento / Turbação / Assassinato

No presente caso, após uma cuidadosa análise das evidências apresentadas pelas partes, o Júri-Executor do Conselho da Matéria Visível chegou a um veredito unânime. O Júri-Executor do Conselho da Matéria Visível considerou a ré, cujo nome será banido de todas as histórias do multiverso, culpada das acusações de conspiração temporal, assassinato em série-não-linear, tortura logopática, apagamento na história, digitalização não autorizada de consciências, sabotagem quântica de identificadores de pessoas em viagens espaço-temporais, atentado cósmico contra o patrimônio patriarcal e terrorismo misandistra. Com base nas provas substanciais apresentadas durante o julgamento, o Júri-Executor do Conselho da Matéria Visível concluiu que a acusação dos Guardiões Patriarcais da Eternidade conseguiu estabelecer a culpa da ré além de uma dúvida razoável. O veredito reflete o entendimento do júri sobre os fatos e as leis pertinente ao caso, e é portanto, aceito por este tribunal.

Veredito pronunciado. No entanto, uma interrupção estrondosa acontece! A combinação perfeita entre a densidade e a velocidade da matéria, escalada por flutuações do espaço e do tempo, se faz presente. Uma bolha espaço-tempo surge. Uma névoa escura envolve uma espécie de traje-pintura em preto e branco. De lá, alguém nos encara. É um olhar penetrante de coruja rasga-mortalha. É arrepiante. Cada pessoa encarada, sente suas sombras saírem pelos seus poros e dançarem à sua volta, como um lindo ritual ancestral proibido. Há manchas negras em volta dos olhos dessa estranha ave de rapina antropomórfica. Parecem asas abertas se expandindo como duas galáxias em espiral. Neste exato momento um som gutural, soturno, grave, agourento, negro e metálico preenche toda a Catedral Branca da Justiça. Não deu tempo algum para, nem mesmo a primeira, reverberação sentencial chegar a ouvido algum. O veredito foi dado. Mas interrompido. E logo, condenado ao silêncio sepulcral. Mas por quem? Quem realizou tamanho feito?

Larakna! Foi o nome que se ouviu, com os nossos ouvidos quase sangrando, depois que a bolha espaço-tempo se dissipou. A interrupção acontece. Corpos inertes sem vida caem pelo chão. Curiosamente parecem estar sem suas cabeças. Larakna! Foi o nome insurgido desde um coro de ira e, ecoado pelo multiverso que presenciava tal sessão. Desta desde a qual o nome que não conseguiram banir com tal sentença! Larakna! Eis o nome da primeira anciã das n3urom[A]tint[A]s_n3gr[A]s! Larakna! Eis o nome que faz gelar os corações de qualquer um que tenha, se quer, um sopro patriarcal em seus suspiros sonâmbulos de dominação. Larakna! O terror que viaja sem descanso, tempos e espaços múltiplo! Que abre caminhos de dobras, fendas e singularidades, como o cortar duplo das lâminas da labrys da vingança! Que surge nas mãos de cada mulher, quando sua visão escurece pela ira voltada contra os mandos e desmandos dos machos humanos e pós-humanos. Larakna! O prenúncio de que um patriarca vai morrer… sentes esta lâmina fria em seu pescoço? Sentes? Ein? Ein? Se não, és tua mão a condutora dessa extraordinária vingança!
 
*****
 
 
léo (130) pimentel (pigmento+pixel) souto (soul to)
// [A]m[A]nt[E]:|:da:|:h[E]r[E]si[A]
// :;{cerrado:|:inverno:|:2023};:

 

Comentários:

Postar um comentário

quando falamos "eu penso que...", quem será que escondendo? a voz do pai? da mãe? dos/as professores/as? padres? policiais? da moral burguesa ou proletária? ou as idéias de alguém que já lemos? escutamos? ou...
 
[A]m[A]nt[E]:|:d[A]:|:h[E]r[E]sIA © Copyright 2009 | Design By Gothic Darkness |