pUnk[A]l_sUlUk
duna
V, baixo paraíso, 4713 psr/ls
exm*
amigxs desconhecidxs
morada
indeterminada
em
mãos, desde o acaso
escondido
dentro de uma caixa metalicorgânica de ressonância mórfica
artificial, sob uma das cachoeiras das cataratas de poeira de iguaçu,
encontrei a mensagem abaixo – um conjunto de holonotas. não está
intacta. muito menos está em seu estado original. há muitas mãos,
de carbono e/ou de silício, que a tocaram e a transformaram ao longo
do espaço-tempo do silêncio e da hiperconexão. assim, sua beleza
foi ampliada e reverberará em nossa web-kundalini. em meu caso, para
tal ampliação e reverberação fiz uso dos encontros em nós de
sonhos artificiais, com uma belíssima e poderosíssima xamã
ancestrofuturista que guia, com grande sabedoria, nossos quilombos
nômades, há milênios. seu nome é :{v1ctÓr14}:, uma sábia e
indestrutível pós-humana que habita a consciência da rede neural
que conecta todas as iaras-amazonas do presente, do passado e do
futuro.
eis
o conjunto
de holonotas outrora escondido
e
descoberto,
por hora revelado
e aqui
embelezado:
“Céu
ocre. Bela
atmosfera enferrujada. Há
um tom cromo amarelado em todas as coisas. Há
ruídos, quase harmônicos, entre o som das cigarras ciborgânicas e
o ranger das vigas de concreto nanorobóticos que balançam com as
lufadas de vento ácido que, ritmicamente, lhes tocam. O
cheiro é de um tipo estranho de hortelã transgênico
modificado com o DNA
de algas marinhas abismais. Chuvinha
fina. Com
a língua pra fora dá pra sentir o sabor de jambu das gotinhas que
caem do céu.
–
Havia um tempo em que um único número reunia informações do
século, ano, mês, dia, hora, minuto e segundo. Ah… havia um
tempo…
–
Havia um tempo em que as zonas erógenas de meu corpo eram apenas
ímãs como em uma bússola… Ah… havia um tempo…
–
Lembro com uma nostalgia curiosa…”
Há
muitos
ciclos gammas
de PSR
B1259-63 e
LS
2883, que
venho tentando descifrar de onde veio essa mensagem. Ela
me chegara pelo drone-correio anonimamente. Mas
claro que ela não estava endereçada para mim. Eu
precisava capturar esse drone e pegar suas peças para eu concertar
minha moto magnética. Eu
precisava de um navegador que funcionasse. Mas
tenha certeza que, se assim, me chegou, assim te chegará também.
Mas
o que mais importa agora é saber que adoro enigmas. E
este me foi uma delícia decifrá-lo. Se
não o consegui, pelo menos que eu o replique em outros caminhos
bifurcados.
Visões
01: Descobrir desde onde no planeta vê-se um céu ocre.
Da
caatinga parti. Minhas bolsas bandoleiras têm tudo o que preciso
para sobreviver a essa viagem. Segui rumo às ruínas de uma das
bibliotecas ocupadas pelas “Anciãs Livres”. Ficava no meio do
cerrado. Eu precisa falar com Tuirá, guardiã-matriarca de uma
belíssima rota para um dos mais belos futuros proibidos.
[...]
Após
algumas sessões de jurema, Tuirá mesma projetou no meu recente
equipamento de navegação as seguintes coordenadas 34°
24' 50.77" S - 21° 13' 03.66" E.
Não demorou muito para ver que o caminho me era impossível. Havia
um oceano entre nós. Minha bússola holográfica mostrava, na palma
de minha mão, o local. E piscava sobre ela o nome “Caverna
Blombos”.
Visões
02: Ir
até a África
sem precisar de movimentar-se pela meatspace.
Tuirá
me diz que há um domo holográfico carinhosamente apelidado de
planetário, há uns 300kms daqui. Preciso ir. Mas ela me alertou que
terei de levar uma máquina, movida a gasolina, que ainda esteja
funcionando, para fazer uma oferenda, junto aos Seres
Projetores|Receptores [conhecidos como povo Girassol] que cuidam do
local. Seres curiosos, máquinas-flores com sentimentos humanos,
demasiado humanos, movidos a luz solar. Sempre que podem sacrificam
“bebedores de petróleo” ao Sol – como costumam dizer.
[…]
Lá
sacrificamos um antigo walk machine. [Quase perdi meu
terceiro braço para consegui-lo. Minha sorte foi que
na luta no bar, o garçom era meu amigo e o chutou para baixo do
balcão, e de lá meu braço pôde, remotamente, dar
tiros certeiros]. [...] Em retribuição,
João-de-Deus-está-morto, o
Gran-Girassol do planetário, fazendo uso de ayahuasca
e holografias enteógenas me conduziu até
o interior da Caverna Blombos. Sim,
era lindo, e... ocre! Mas infelizmente não tinha uma
atmosfera enferrujada. Muito menos haviam “coisas”
em tons cromo amarelado. Pois ali não havia luz externa. Toda
luz era levada por nós.
Outros
ciclos gammas de PSR B1259-63 e LS 2883 passaram. Tive que abandonar
as pesquisas pelos olhos. Desta vez minha tentativa será pelos
ouvidos. Como o mencionado na mensagem capturada, eu devia ouvir
harmônicos de cigarras ciborgânicas e concretos nanorobóticos
vibrando. Ouvir tal som tão específico, talvez se consiga descobrir
o local de envio da mensagem.
Audições
01: Procurar os ouvidos mais delicados e refinados.
Havia
uma comunidade na Chapada do Ornitorrinco
Elétrico cujo ritual de maturidade era a abdicação
dos olhos. Para se tornar uma pessoa adulta o
olhar era algo obsoleto. E, em cegueira
ritual, por meio do psilocybe cubensis,
conseguiam ouvir a música do movimento das esferas celestes.
Somente o ouvir conseguia alcançar horizontes tão
longínquos. E por tal abdicação, com o correr dos ciclos, seus
ouvidos passavam a reconhecer a menor
vibração sonora e a ecolocalizar sua origem
com uma precisão fora do comum. Tanto que, neste
exato momento devem estar ouvindo os meus pensamentos sobre ela.
[...]
Sim,
foi o que aconteceu. assim que eu me aproximava da comunidade, um
cântico me era endereçado. Não sei como faziam, pois eu não
tenho a menor ideia de como funciona a relação entre receber e
emitir som. O que sei é que meus sentidos não
conseguiam decifrar o que queriam me dizer. Mas gravei
o áudio em meu capacete de ressonância mórfica artificial.
Audições
02:
Encontrar cypherpunk
colaborativo.
Foi
em um sítio arqueológico de parques de diversões que o encontrei.
Por lá todas as
pessoas usavam uma mesma máscara branca. Era uma só, mas tinha nela
os dois rostos do teatro. Comecei a rodar a gravação. Logo alguém
disse ser especialista em
esteganografia sonora. E
logo se pôs a me
ajudar com aquilo.
Mas
claro que não foi de graça. Mas
é bom lembrar que nossa economia pirata não comete nenhuma
injustiça entre nós.
[...]
Sobre
o cântico gravado descobrimos um trecho do livro
“All the Birds in the Sky” de Charlie Jane Anders. O
trecho indicava as
coordenadas de um
local que era um exato cruzamento temporal entre a escravidão e a
liberdade: um bunker
que
funcionou, há
centenas de ciclos,
como abrigo à radiação da era Pós-Agroterrorismo-de-Estado.
[...]
Enfim,
cheguei ao bunker. Foi uma perturbadora viagem por dentre
cidades-fantasmas-na-máquina. […] Ahá…. ai está você. [...]
Enterrado sob uma antiga Catedral, que há muitos ciclos deixara de
ser branca. Sua arquitetura é de um estilo pensado como escombros
milimetricamente apoiados uns nos outros. Uma cartesiana geometria do
caos. Mas também há sinos e enormes pedaços de estátuas
enferrujadas abandonados ao lado. Parecem esculturas de anjos. Ou
seriam de ícaros? Não sei. Não entendo nada de mitologia
jurássica. Curiosamente há pessoas morando nele. Pessoas estranhas.
Muito formais em gestos e em vestimenta. Parecem usar potentes
protetores de ouvido. Acho que não suportam som algum. […] Não
param de me encarar. Mas ao mesmo tempo parecem me ignorar. Que olhos
estranhos. [...] O cheiro aqui é horrível. É preciso máscara. Um
local tão higienizado como este. Como isso é possível? Mesmo
parecendo escombros, tudo é tão limpo. Tudo está tão no seu
devido lugar. […] Aqui as coisas têm um tom de cromo amarelado. A
luz alaranjada do sol entra pelo que chama de cobogó e colori todas
as coisas. Mas…. deveria ter algum odor... pelo menos de terra
molhada. Está caindo uma estranha chuva fina. [...] Vou forçar uma
conversa com alguém e ver o que têm a me dizer.
(ruídos
indescritíveis e muita interferência na imagem)
fim
das holonotas. senti náuseas. uma certa vertigem me envolveu. pois o
afeto vinculado com o final da gravação, foi o de surpresa e horror
ao mesmo tempo. desconfio que a tragédia foi companhia desse nosso
ou nossa amiga que desvendou parte desse enigma e lhe impossibilitou
continuar. minha cabeça doi. meus olhos ardem. sinto um gosto
metálico na boca. há uma queimação em meu peito. será essa a
sensação da shawara que ataca os pulmões de xamãs? pode ser, pois
conheço este último lugar descrito apontado pelas audições. e
certamente a mensagem enigma não partiu de lá. aquelas pessoas são
incapazes de atos não burocráticos. interessante é que os olhos e
os ouvidos são apenas a metade do caminho para se saber desde onde
se enviou tal mensagem. será mesmo a metade? não seriam apenas uma
pequena fração?
mas
curioso que essas holonotas nada dizem sobre a mensagem mesma... será
que o lugar não terá sido criado pelo afeto e pelo corpo de quem a
enviou? algo que aprendi com a sábia :{v1ctÓr14}: foi que o mundo é
criado de dentro pra fora e não o contrário. cosmos inteiros
criados desde o tato de nossas línguas – saber sabor. cosmos
inteiros criados desde o tato interior de nossa pele –
derme|cosmos. mesmo que sintética e hibridizada com silício. sim!
levarei esse enigma para ela me ajudar a encontrar uma solução. e
esta não precisa ser a do local desde onde partiu a mensagem. quero
algo mais profundo. quero ser encarado pelo abismo.
atenciosa
e afetivamente
pUnk[A]l_sUlUk
*****
é
isso compas do baleia|punk[A]biohack|lab.
eis nosso segredo fundante. a aurora crepuscular na qual nossa
inteligência eroticoletiva teve início: pUnk[A]l_sUlUk
se encontrou com :{v1ctÓr14}:. nesse encontro nos foi
ensinado que nossas zonas erógenas são parabólicas. é por meio
delas que captamos e criamos outros mundos. este último
decifrador|ilusionsita do enigma da mensagem, acrescentou um ruído
na informação para que jamais nos descobrissem para nos perseguir,
se a decifração fosse apenas desde a racionalidade fria e
calculista. que nos descubram pelo amor! foi em tal encontro que
:{v1ctÓr14}: lhe aconselhou a acrescentar o toque da
“nostalgia curiosa”. para que, na verdade, só alguém, cujas as
dobras do corpo fossem a mais pura e genuína transformação de si
em si, sentisse a beleza de uma melancolia insurgente. sim, sentir
saudades de um mundo a ser criado é o primeiro passo para criá-lo.
Comentários:
Postar um comentário