uM z[A]r[A]tUstr[A] pUNk
em um filme para todxs e para ninguém
em um filme para todxs e para ninguém
[joão brandão adere ao punk – (ramiro grossero - 2017)]
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prÓlOgo
nós,
punks do livramento, seria um erro nos condenar como violentas,
anômalas, irracionais; contra nós mesmas, somos terroristas – e
não de modo indiferenciado. jamais atacamos e agredimos se não,
nossos próprios fantasmas e traumas: e não vale a pena serem
destruídos? mesmo que nos destruamos juntas? “sim, quando não
houver mais crimes e castigos em nossos corações!”. assim jamais
queremos que abstrações nos definam, como a “liberdade”!
queremos sim é nos livrar de um bando de coisas, ideias e atitudes!
nós, punks do livramento! não, não somos livres! estamos sim nos
libertando diariamente. caminhando e pogando vamos nos livrando de
tudo o que é estratégia irônica do sistema, ou melhor, da
sistemática da servidão voluntária – esta que reconhece os seus:
cumplicidade niilista: princípio estendido para toda a população
como “cidadão de bem”. neste niilismo conformista estamos
ausentes: nele não temos paixão alguma – não temos olhos,
ouvidos nem pele. antes, aquilo que odiamos em nós, as armadilhas da
educação para o comando/obediência, dispersas e imersas em nós ao
longo da vida, arrancamos suas raízes! sempre há tempo para isso:
dos 8 aos 80 anos. não há destino algum reservado para nós: vamos
nos livrando. nunca é demasiado tarde para nos tornarmos punks do
livramento. e melhor que ser punk na adolescência e depois se tornar
alguém fascinado pelo conforto e pela domesticação, é tornar-se
punk por uma decisão madura e ruminada: ser punk depois dos 30, 40,
50… morrer como gado é algo estranho, é de uma estranheza
insuportável!
cerrado,
sob um ipê preto, fevereiro de 2017
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niNGuÉm:
joão
brandão adere ao punk – (ramiro grossero)
§01.
eis que ouço alto um grito
punk que não para de ecoar, a história de um zaratustra punk: joão
brandão. a ideia central do filme: o tornar-se aquilo que já se é
na maturidade – a mais bela e radical decisão pelo livramento punk
que um dia se pode ter. tal ideia sempre foi cantada ao longo de 40
anos de punk-rock: “o punk não está morto”. atravessando gig
aos pogos, lendo e fazendo zines, tocando em uma e ouvindo outras
bandas e, principalmente reagindo contra uma sistemática de
opressões, é quando vem a necessidade de que tal decisão seja
tomada… mudança tempestiva e profunda em seu gosto, sobretudo no
que diz respeito à estética pronta para o combate e para a festa.
nosso zaratustra punk está inteiro na conta da contestação –
quanta empolgação é ver, ouvir e sentir na pele um renascimento na
rebeldia em condição insurgente que salta sobre a miséria e a
tragédia do mundo e despedaçá-las com suas unhas, dentes e spikes.
despedaçar o absurdo da existência. sim, a verdade é horrível.
mas ela é rica em ensinamentos, inclusive quando ilustra nosso2
modo humano de iludir-nos com todo o tipo de bobagem que são as
certezas e as verdades absolutas. todo gosto pela certeza é o gosto
pela servidão. joão brandão nasce sob o caráter desfavorável que
é existir… por esse caminho tal zaratustra punk vem até nós, na
condição de arquétipo da insurgência: mais corretamente ele salta
em mosh e cai sobre nós.
§02.
para compreender esse tipo de
arquétipo, temos que ter em mente o horizonte crú do saber de seu
nada: insurgir é antes de tudo um emergir das profundezas do caos:
“você que mora em favelas, em habitações subumanas / paga
aluguel, água e luz e não tem o que comer / levanta 5 da manhã,
ônibus lotado, trem apertado / trabalho o mês inteiro, dá um duro
danado / você não ganha nada / porra de vida, porra de vida, porra
de vida / você não vale merda nenhuma / eu não sei o que se passa
comigo / eu só sei que perco o juízo / quando sinto no meu peito a
revolta explodindo / entre muitos a pobreza é tão grande / entre
poucos a riqueza é gigante / é tão triste descobrir que você
nasceu pra perder / porra de vida, porra de vida, porra de vida /
você não vale merda nenhuma / eu não sei o que se passa comigo /
eu só sei que perco o juízo / quando sinto no meu peito a revolta
explodindo / entre muitos a pobreza é tão grande / entre poucos a
riqueza é gigante / é tão triste descobrir que você nasceu pra se
fuder / porra de vida, porra de vida, porra de vida / você não vale
merda nenhuma” (porra de vida – invasores de
cérebros).
§03.
quem é o dono da verdade do
punk? que tipo de punk quer ser polícia ideológica? quem tem a
ideia precisa sobre o que chamamos de livramento? se ninguém
tem a certeza, eu também não a terei, mas posso aqui mostrar os
rastros dessa atitude… a realidade, mesmo que por aqueles que
supõem que ela esteja inteiramente explorada, não é misteriosa,
já que nela estão as chaves para sua vivência. assim, um primeiro
rastro do “livramento”: abrir mão de que a realidade conta com
um recurso exterior a sua experiência. ouvimos, encontramos; a
tomamos de assalto, ninguém jamais dá nada para a gente; como se
fosse um vulcão, uma atitude vem à superfície, por necessidade,
sem hesitações – é como se jamais tivéssemos escolha. uma
chacoalhada no esqueleto, cujo tesão monstro eletrifica o sistema
nervoso, involuntariamente; um estar-fora-de-si-e-dentro-da-alcateia,
com a consciência instintiva de um sem número de lobos e lobas de
moicano, pelos coloridos e dreads, que são vistos com temor e
fascinação pela sociedade normatizada. a imagem da alcateia surge e
não se tem ideia do que podem fazer e onde podem chegar, mas se tem
a ligeira impressão de podem tomar seus nadas, sem mais e os
devorar. recordemos uma palavra de nosso zaratustra punk: “é
possível, mas os alienados de cá, do meu lado, do seu lado, curtem
uma alienação maior ainda. porque eles reconhecem o erro, sabem que
estão fazendo merda e continuam como se nada estivesse
acontecendo. o punk pode não ser novidade e parece que depois do
antigo testamento não apareceu nada de novo sob o sol. mas ele dá
um recado: não é à toa que o punk de verdade tem seus arraiais em
são paulo, onde outro dia aconteceu aquilo que você sabe. a maioria
dos rapazes nem mesmo está desempregados porque ainda não
conseguiram emprego. usam o preto porque o preto significa luto. a
roupa é rasgada por que não há outra. os versos são detestáveis
porque a vida ficou detestável para o maior número. o som é
infernal por que o inferno está aí! os punks não pretendem ser
simpáticos. eles querem mesmo é gozar da antipatia geral. estão
divididos, eu sei. cada grupo achando que o outro grupo está errado.
mas na própria variedade de erros está a marca geral deles. o sinal
de inconformismo até consigo mesmos”. esta é também a minha
experiência com o livramento; sempre lançar dúvidas ao credo comum
e até mesmo aos credos mais sofisticados a fim de poder trocar umas
ideias, risos e até cotoveladas com alguém que possa cantar comigo
o refrão: “o que quer dizer punk? / madeira podre, isca, mecha,
fedelho / não quer dizer nada de unívoco! / assim também
sou!”
§04.
a violenta força criativa
flui pelo corpo graças à agilidade dos músculos, assim, fenômenos
sociais, modismos e frivolidades, os estudos de joão brandão, o
anima. logo ele será visto pogando por várias vezes, sem que se
note o menor sinal de cansaço. logo rirá muito… e para que esse
riso seja punk mesmo é preciso que ele se entregue e enfrente a
barra que é a natureza intrinsecamente dolorosa e trágica da vida
suburbana e sofrida. nosso zaratustra punk correrá o risco
permanente da angústia de viver fora da sociedade do consumo, ou
mesmo, o risco da angústia insuportável de viver com o menos, para
daí sim, fazer deste mal, a causa de sua alegria.
§05.
“desde criança, sempre
me senti discriminado por conta da minha inteligência e
criatividade. é também um dos motivos pelos quais eu me afastei ou
fui afastado do jornalismo. quando você começa a escrever bem
demais, tome cuidado. você pode ser demitido.” assim, certa
vez disse jota pingo. mas essa não é a própria ideia de joão
bandão? ambos não nos levam à mesma conclusão? “eu me
simpatizo com o punk despojado, mal poeta e mal cantor. mas empolgado
com a missão que se atribui de destruir a ordem conservadora,
através da música, do grito, do gesto e do anarquismo primário!”.
mal perdemos uma inocência e outra se apressa a substituí-la. eis a
psicologia deste nosso tipo de zaratustra. essa espécie de exu com
seu jaco crust, cuja postura irreverente e descrente, desmistifica a
sistemática da obediência e da servidão voluntária criada pelos
“grandes e pelos babacas”. não há salvação do abismo. pois
este é apenas um excesso paranoico da razão. o punk é de uma
franqueza selvagem. não há salvação porque não há abismo.
contra toda imposição do
dogmatismo / nos recordemos da tirania histórica / e não nos falte
a força necessária / para ser intenso como uma retórica / que
ninguém mais seja um comandado / para que ninguém imponha uma
vontade / para acabar com toda autoridade / a anarquia é o caminho
inevitável / vamos caminhar rumo à igualdade / sem opressão do
homem pelo homem / sempre que se impuserem com a força / vamos
rebater a força com a força / mesmo que estejamos perseguidos e
fatigados / anarquia proposta nunca imposta / mesmo que estejamos com
medo e cansados / anarquia proposta nunca imposta / usaremos sempre a
força contra a força / anarquia proposta nunca imposta / não
importa a envergadura do governo / não nos impede de ser um
combatente / toda vez que se enfraquece a autoridade / toda vez que
conquistamos liberdade / toda a vitória sobre o patronato / todo o
esforço contra sua exploração / toda a vitória da classe operária
/ toda a batalha contra a sua coação / quando o governo é aceito
como inimigo / a anarquia é um passo eminente / vamos caminhar rumo
à igualdade / sem opressão do homem pelo homem / sempre que se
impuserem com a força / vamos rebater a força com a força / mesmo
que estejamos perseguidos e fatigados / anarquia proposta nunca
imposta / mesmo que estejamos com medo e cansados / anarquia proposta
nunca imposta / usaremos sempre a força contra a força / anarquia
proposta nunca imposta (anarquia proposta nunca imposta –
horda punk)
… mas essa é, mais uma vez,
a ideia de nosso zaratustra punk.
§06.
qual é o espírito que a
linguagem desse filme haverá de se mostrar para nós e para nosso
zaratustra punk? os traços da rebeldia ancestral de um broba!
rastros de nossa visualidade mais primitiva e visceral. daquelas da
mesma ordem dos bisões de altamira. também uma poderosa guerrilha
psíquica que exorciza a desinformação praticada pelos traços da
mídia de massa, recolocando, aos nossos olhos um poder de fúria e
crítica. desenhos que mais parecem uma arte marcial pura. nanquim
que deveriam estar por todas as paredes de brasília, como uma grande
risada ecoando por todas as retas dessa cidade de concreto e cinza.
preto e branco que dão o tom e a musicalidade das imagens filmadas.
luz e sombra de uma fantástica consciência cuja lucidez não se
aprisiona na docilidade das pessoas sem imaginação. por seus traços
o filme se imagina; se reorganiza em uma horda iconoclástica de
munição erótica para atentar contra a moral e os bons costumes do
masoquismo do bom mocismo e da bela recatada. assim, o filme também
se desenha: transforma sua narrativa e reivindica a vida; na verdade,
nos redesenha, eu, tu, o filme e nosso zaratustra punk, como gestos
de uma insubmissão alegre ao poder. a imagem, assim como a forma
pensam, reagem, se revoltam e se insurgem!
§07.
“punk tem que se fuder
mesmo. punk tem que tomar no cú! né não?”: assim falou tina
ramos.
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