1. existe alguma forma de estarmos livre da ameaça de guerra?
esta sentença, elaborada na forma de questão, desde já nos coloca na situação de tentarmos solucioná-la. é essa tentativa que me interessa analisar. uma análise que abandona, de pronto, a pretensão de verdade e abraça a pretensão de sinceridade. tal qual acontece na psicanálise. não me interessa as condições lógicas da veracidade do fenômeno. interessa-me suas condições manifestas. tais elevadas ao nível da significação. significado gerador de sentido que determina os assuntos à vida e à morte de um corpo. por isso a sentença foi elaborada nos termos de algo que ameaça. e este não é qualquer algo. é, antes de tudo, um algo estabelecido na esfera dos conflitos de um/a humano/a contra outro/a. conflito que não é jogo nem debate. não que, alguns/mas não estejam por aí jogando jogos de guerra ou mesmo, debatendo as condições de se declarar ou não uma guerra. conflito que é, antes de tudo, luta: fazer mal a um/a adversário/a. mal que adquire os contornos graduais entre subjugar o/a inimigo/a e a pura e simples aniquilação.
de quais ferramentas intelectivas faríamos uso para a fenomenologia proposta? somente aquelas que nos ajude a analisar de forma prática a questão. desse modo a própria análise já construiria uma metodologia. portanto, algo também por se fazer. o acabamento é escolhido como ferramenta literária. a descrição, escolhida para dimensionar o fenômeno. a ironia, escolhida para dar o tom afetivo da apreensão da coisa. e, a heresia é escolhida como estilo de crítica para colocar pontos até então não colocados por motivos de falta de liberdade. portanto, é a liberdade a grande direcionadora dessa análise. não uma liberdade abstrata, mas uma concreta e prática. uma que pode ser elaborada na seguinte sentença: pretendo-me ver livre do quê?
2. guerra
existe um grande vazio, tanto na literatura quanto na cinematografia, ao tratar a questão da guerra. por exemplo, na literatura, a situação mais expressiva sobre o assunto são dois livros clássicos, ambos intitulados “arte da guerra”. um escrito por sun tzu e outro por nicolau maquiavel. no cinema, eu poderia citar o filme de stanley kubrick, “born to kill”. claro que há uma vasta bibliografia e cinegrafia sobre o assunto. mas isso não me interessa. meu interesse é o fenômeno mesmo naquilo que ameaça a minha ou a tua vida. o curioso vazio a que me refiro é o silêncio que há sobre a arbitrariedade profunda da guerra. não há nela nenhuma necessidade, seja ela funcional ou mesmo epistemológica. nem mesmo há nela raízes em regiões internas e obscuras da vontade e do sentimento humano para explicar sua existência. não é questão de essência (perspectiva religiosa ou científica) ou mesmo da condição humana (perspectiva filosófica). o curioso vazio, que nenhuma representação tocou no assunto até então, é que a guerra é arbitrariamente estabelecida como uma resposta a qual já se esqueceu (voluntariamente ou não) qual havia sido a pergunta. Isso torna mais visível quando vemos que tal “solução” é sempre defendida quando preconceitos nacionalistas entram em jogo: soberania, segurança territorial, autoridade federal, liberdade de ação estatal, etc. fora tais preconceitos, que sentido haveria ter as instituições legislativas e judiciárias internacionais que arbitram e administram uma possível luta entre nações? ou ainda, que sentido haveria ter nações, ao sabor de um ou outro interesse, tranquilamente deixarem de se submeter às obediências a decretos internacionais? sendo solução de um problema que já se esqueceu, o/a nacionalista atuar nela apenas na ordem do fazer cumprir veredictos ou de anular decisões extrajudicialmente. o mais absurdo do silêncio é quando o problema esquecido (ou ocultado voluntariamente) é colocado nos termos daquilo que é considerado absoluto nas relações humanas, a “vida instintiva”. essa colocação só nos diz que os artifícios estão aí para nos colocar alheios/as à nossas questões fundamentais: vida e morte. nada disso nos serve para compreendermos o que pode ter originado a pergunta na qual a solução seria a guerra. pois os artifícios mesmos também são soluções para problemas esquecidos. e aqui o silêncio nos diz muito mais.
3. poder
representação inventada, caprichosa e mutável, posta como central para a organização sócio-política de nós enquanto comunidades. invenção posta como força obscura, onipresente. não menos que imposta. postulação para adesão. mera potência bruta, cruel: ser capaz de, enquanto importância, influência, eficiência. é antes de tudo verbo: representação de um feito. assim o “poder” sai da ordem do desejo (não é objeto de satisfação) para se estabelecer na ordem da crença (representação de satisfação). o “eu posso” do desejo se transfere ao “eu poderei” que arrasta o/a crédulo a eternamente de uma representação a outra sem jamais conseguir satisfazer-se. indiferença do guerreador (ativista da guerra). a partir do instante que uma representação se desfaz uma outra se faz. toma seu lugar de modo mais forte, já que a prática da anterior nada lhe serviu como experiência de anulação da primeira. assim ora se crê no dinheiro como poder, ora se crê na fala, ora se crê na tecnologia, e assim por diante, indefinidamente. objeto de desejo ausentado. interessante notar que nenhuma delas se estabelece como satisfação real. são eternas transições de realidades de ordenamentos abstratos. portanto, também invenção arbitrária. a guerra, cuja pergunta poderia ser como se satisfaz o desejo pelo poder, é tão vazio quanto o desejo de paz. paradoxalmente, tanto a guerra quanto a paz, podem ser reduzidas ao caráter irredutível da segurança total. não há argumento possível que consiga flexibilizar uma crença. esta carrega em si mesma a fantástica capacidade de aniquilar qualquer idéia de modificação. curiosa maneira de se institucionalizar uma precipitação de acontecimento.
4. muitos como instrumentos de uma minoria
vivemos numa permanente sensação de que existe algo; este nunca aparece; logo outro algo o impede de aparecer. descontentamento ou ressentimento permanente. no entanto, o vazio e o silêncio que muito nos diz nos colocam na situação de que isso não passa de precipitação de acontecimento. é importante que continuemos acreditando na felicidade e na harmonia encontrada somente no futuro. vale mais inventar eminências da solução do que renunciar a própria pergunta. por exemplo, as forças armadas estão aí, pois é eminente a guerra. não importa quem seja o inimigo, a guerra está sempre por vir. essa permanente eminência nos é colocada como a única a garantir a “normalidade original” de toda a humanidade. toda violência é colocada como necessária para que a normalidade ideal se dê. para essa garantia é preciso colocar nossa carne e osso à disposição desta ou daquela nação. esta grande fórmula territorial garantidora da felicidade e da harmonia. de quem? da real felicidade e harmonia de uma minoria? não. pois até a “conspiração dos dominantes” torna-se um mero artifício de esconderijo do vazio. é sempre resultado de uma experiência mística o mostrar que existe ou não existe; o mostrar que isto é verdadeiro ou falso. nostalgia recomendada. o lamento de uma maioria que se entregou ao jogo. lamento que gera hostilidade não contra a minoria, razão de seus lamentos. hostilidade contra a situação de que nada possa haver para além de qualquer que seja a promessa. no caso, nacionais não dirigem seus ódios contra a guerra enquanto tal, mas contra esta ou aquela guerra. ódio contra a possibilidade de que jamais haja um passado perdido ou mesmo um futuro a ser instaurado. ser instrumento somente torna-se problema quando, neste estado de ser, nos lembramos que somos corpos perecíveis. lembramos-nos que não devemos nos adequar a permanente eminência de algo. lembramo-nos de que nosso corpo não é um fantasma ideológico. mesmo que seu domínio seja estranho a qualquer idéia ou ideal, não se está a salvo às chamadas “epidemias psicológicas”. não se está a salvo dos surtos de violência institucionalizada; do acaso geográfico tornado necessidade; das propagações por multiplicação. a guerra não é da ordem das doenças latentes. é da ordem da pressuposição norteadora; da impossibilidade de satisfação. nenhum determinismo o sustenta. não há nem mesmo forças históricas.
5. entusiasmo e sacrifício
qualquer que seja seu gênero, toda verdade tem algo de duvidoso. a não ser que se renuncie aos fatos e alegremente limita-se a conciliar conclusões com premissas. mas a situação, para com a verdade, que estamos acostumados/as a experienciar é a de que, ter certeza de algo pouco tem a ver com a natureza de sua verdade mesma. assim, por exemplo, o fato do ódio e da destruição, e o reconhecimento universal de seu interesse, sempre se dão em caráter altamente obscuro e incompreensível. o grau de interesse por algo aumenta proporcionalmente àquilo cuja realidade seja fundamentalmente ambígua. mas é interessante notar que se preferem mais uma verdade aparentemente segura a uma verdade duvidosa. talvez porque a segurança tende muito mais à loucura de um confronto incansável com a prova da realidade do que a dúvida. desejo ardente e obsessivo. tendência cega por colocar-se a serviço de alguma causa. toda indubitabilidade de um discurso está sempre prestes a anunciar uma cruzada. quanto mais “seguro” estiver um discurso, mais se pensa em termos de ferro e fogo para a obtenção de um assentimento universal. ninguém quer perder a “honra” e arriscar-se a cair no “ridículo” confessando uma dúvida. reivindicação universal de certeza. preferência à indiferença do estar seguro com relação ao próprio conteúdo da segurança. seguro, crédulo e fanático. ato de fé. gosto pela certeza. gosto pela servidão. incapacidade de acomodar-se com a dúvida. capacidade de acomodar-se em algo que se afirma ser portador da verdade. esta a qual o crédulo mesmo não se incomoda em não ter acesso. ama-se guardiões e vigias da verdade. ama-se aquele que pensa por outros. ama-se pensadores intermediários e fantasmáticos. ama-se a adesão a qualquer que seja a causa. ama-se o “em nome de”. um estranho amor por fuga e esconderijo. fuga por não responsabilizar-se diretamente pelo pensado como discurso seguro, portanto verdadeiro. esconderijo por se esconder por de trás deste ou daquele que “sabe”. este considerado como fortaleza inexpugnável, capaz de frustrar toda possibilidade de dúvida. fortaleza que acolhe paixões facilmente despertáveis e eleváveis à potência de psicose coletiva.
6. conflitos extravagantes da humanidade
é comum identificar como reações “naturais” a autodefesa e a vingança; “lutar pelo que lhe pertence”; “lutar pela maneira de viver que agrade”. as ações que provocariam tais proviriam de fonte externa: um ataque. caso todos os governos se preocupassem apenas com a autodefesa de seus nacionais não haveria oportunidade para a guerra. esta somente poderia ocorrer de um ato de agressão. portanto, a quem seria a preocupação de atacar? a quem seria a iniciativa “artificial” de uma hostilidade? quem seria a ameaça cuja reação seria a “legítima” e “natural” autodefesa? ao revermos a história da humanidade, o quem sempre foi irrelevante. pois, estão todos sempre dispostos a lutar em sua autodefesa. disposição nutrida pela obsessão de “desmentir” a idéia de que há intenções essencialmente pacifistas. obsessão gerada a partir da desconfiança dos pressupostos éticos e das intenções para com aqueles que não partilham das mesmas certezas sociais. assim arbitrariamente surgem inimigos fantasmáticos à espreita. eminência cujo resultado seria a necessidade de acumulação de armamentos. daí ocorre, com o peso de uma norma, por isso se coloca como normalidade, a sensação de que é melhor estar preparado, pois o inimigo não descansa em sua obstinação por nos atacar a qualquer momento. quanto mais temor das possíveis armas que o inimigo possa ter, mais há estímulo por se ter armas mais potentes. no entanto, o modo auxiliares dos governos manterem a constante sensação de temor são, as despesas com armamento e o “prazo de validade” do mesmo. o primeiro modo auxiliar se dá na exigência de maiores orçamentos para os ministérios de defesa e para as forças armadas. e o segundo, na necessidade de evitar o desperdício e renovar o antigo estoque. ambos os modos resultam a chamada “corrida armamentista”. a extravagância deste tipo de corrida é a maneira das políticas internacionais administrarem a quantidade de hostilidade para com o “inimigo”. assim, ora a hostilidade é dirigida para inimigos “externos”, ora para inimigos “internos”. em ambas a hostilidade se dá como elemento para forjar a regularidade do comportamento de um povo. tornar o comportamento hostil algo tão natural que não se nota no cotidiano. ou seja, a hostilidade como movimento inercial de um povo.
7. direito e violência
em nossa vida cotidiana vivemos na idéia de que direito e violência são um a antítese do outro. mesmo que a história da “civilização” que nos é contata, coloque o direito como a superação da violência. no entanto, basta andarmos pelas ruas que vemos que nada se superou. como o entusiasmo e o sacrifício são a experiência da normalidade, o direito é deixado como assunto monótono para ser tratado por estadistas. pois, é um princípio geral que os conflitos de interesse são resolvidos pelo uso da violência: “já que no reino animal é assim que ocorre”. é desse modo que a superação se torna coexistência. o direito não superou as armas que não superou a força muscular. todas coexistem simultaneamente. não se superou a intenção de matar o inimigo para apenas o subjugar. a sede de vingança jamais conseguiu ser ocultada pelo direito. de modo simultâneo se domina pela força bruta e se domina pela força do intelecto. para o primeiro tipo de dominação há as forças armadas. para o segundo tipo, há o judiciário. transição oscilante da violência cujo princípio é o reconhecimento de uma entidade de interesses: vínculos emocionais, sentimentos comuns entre membros de um grupo de pessoas unidas. a situação não é simples, já que poucos indivíduos são igualmente fortes. desse modo os mais fracos tendem a abrir mão de liberdades em prol da segurança. e tende a piorar. quanto mais se deixam a força se concentrar nas mãos de alguns, mais está se ocultando o modo em que se é dominado. criam-se graus desiguais de poder. criam-se graus também desiguais de sujeição. uns tentando se colocar acima das proibições que se aplicariam a todos. outros em constantes esforços para a obtenção de mais poder. e muitos sonhando em ver seus interesses reconhecidos nas leis. no entanto, a transformação cultural daqueles que detém o poder, por vias pacíficas, é algo que parece excessivamente distante de qualquer experiência cotidiana. vemos que não trocamos as infindáveis guerras menores por raras guerras em escala maiores, no entanto mais destrutivas. apenas ampliou-se o horizonte que facilita misturar motivações. preserva-se somente enquanto se destrói o alheio. desse modo, direito e violência somente fazem sentido como uma espécie de mitologia. uma mitologia nada agradável por sinal.
8. adesão ou repulsa às guerras
há muito se deixou de tentar elaborar maneiras para se eliminar os impulsos agressivos dos indivíduos. o método que se utiliza é a tentativa de desviá-los, temporariamente, para quando necessário se fazer uso deles. por exemplo, manter unido um povo pelo ódio contra qualquer pessoa que esteja além das fronteiras de seu país ou região. o desvio temporário se dá como uma espera e uma resposta de submissão ou obediência à palavra ou à ordem de uma autoridade hierarquicamente situada. parece não haver problema algum com as usurpações cometidas pelo poder executivo do estado ou, as proibições estabelecidas pela igreja contra a liberdade de pensamento e de agir. em todo caso, a guerra é a pura e simples expressão do impulso agressivo dos indivíduos que se organização em estados e igrejas. Impulsos que visam por fim às personalidades plenas em liberar-se. impulsos que visam colocar outros indivíduos, contra sua vontade, em situações humilhantes: matar outros indivíduos; destruir patrimônios culturais; seguir ordens; etc. já que não correspondem mais aos antigos ideais de heroísmo. a guerra é o espaço de propagação endêmica da violência. espaço de estima e controle do “estado de espírito” de muitos. espaço onde interesses individuais, em um limiar crítico, estão em proximidade geográfica. por exemplo, a luta pela sobrevivência num sistema entre predador-presa cujo folclore chama de “inimigos naturais”. espaço de administração entre determinismos: (1) religioso: os acontecimentos futuros são pré-ordenados e inevitáveis, como a luta entre o bem e o mal; (2) histórico: os vários grupos da sociedade resultam da divisão do trabalho, como a luta entre senhores e escravos; (3) baseado em leis físicas: o comportamento dos povos são explicáveis e previsíveis à base de equações; em termos da dualidade entre verdadeiro e falso; (4) biológico: a violência é uma das calamidades da vida; como a luta entre presa e predador. assim, o poder real de uma guerra é algo mais que uma idéia metafísica. ela opera por ume série de aparelhos que a concretizam. a força seja ela “legítima” ou não, aos aparelhos da guerra pertence. tais se colocam como detentores legítimos do direito de dispor da vida dos indivíduos. tal legitimação confunde o dever de obediência com a obrigação social. para que cada indivíduo se veja frente à necessidade de salvaguardar a liberdade e a segurança de todos os cidadãos: obrigação social. visto desse modo, o indivíduo deve legitimar as bases dos aparelhos da guerra: dever de obediência.
9. soluções que não se sabe a quê: o caso brasil
teria os fenômenos culturais a marca do espírito de seu tempo? em cada instante histórico toda a humanidade assume uma determinada perspectiva? apenas uma “elite decisiva” tem acesso a tal perspectiva e consegue impô-la a grande maioria? e a grande maioria? continuam usando perspectivas ultrapassadas? ou está disposta em um número limitado, mas variado, de perspectivas? de modo breve, pensemos, comparativamente, o brasil e a europa em dois momentos históricos. que conexão há a intentona mineira de 1848 com a marcha para versalles dos sans-culottes parisienses? e o valor europeu camponês e operário, que deram as bases para os movimentos socialistas, e os valores quilombolas e indígenas no brasil da virada dos mesmos séculos XIX para o XX? e se avançarmos mais no tempo e chegamos à primeira década do século XXI? qual a relação entre o comunicado em tempo real, de algo acontecido em qualquer lugar do planeta, e o vivido pelo receptor brasileiro? quais os elementos a serem sintetizados no brasil? com são sintetizados? com estão dispostas na cultura brasileira as influências das ondas migratórias da europa e do oriente para o sul do país, das sociedades indígenas de floresta do norte e centro-oeste, dos afrodescendentes filhos de ex-escravos do nordeste? há aí algum tipo de equilíbrio entre seus modelos econômicos, sociais, culturais, artísticos, filosóficos e religiosos? qual espírito de época vive a população brasileira rural (camponeses, indígenas e quilombolas), a proletária e a burguesa? arrisco a seguinte resposta: todas elas vivem inautenticamente. a rural vive o processo de extinção migrando à força para as cidades. a proletária encontra-se dividida entre aqueles que sonham um sonho marxista e outros, que sonham de que é possível enriquecer pelo trabalho duro. a burguesia é a mais patética, pois vive de reações ideológicas desesperadas por implantar realidades fracassadas alheias: a moralidade luso-cristã, o liberalismo norte-americano e a “alta-cultura” européia. e pior, gera uma elite intelectual alheia às outras populações brasileiras, imóvel, incapaz e inapta para romper com a realidade inautêntica na qual vive a cultura brasileira. esta inconfessavelmente ainda em aberto e ainda por inventar.
10. uma ditadura militar espontânea em histéricos
tomo emprestado da psicanálise freudiana o termo histeria. tal amplia um pouco mais uma das nuances do fenômeno que aqui investigamos: a guerra. a histeria é a perda do autocontrole devido a um extremo pânico. sendo a guerra um fenômeno que representa um determinado modo da violência, a ditadura militar é um fenômeno derivado; um epifenômeno. desta perspectiva, posso afirmar que a ditadura militar, tal qual a inquisição, é uma espécie de neurose (no caso neurose coletiva e propagada) desencadeada por uma instabilidade emocional decorrida do modo de representar a guerra; sintoma manifesto de conflitos interiores mal resolvidos. para melhor ilustrar minha afirmação, tomo o como e o que desencadeou o golpe militar de 1964 no brasil. faço uso das próprias palavras (de “a verdade sufocada” - 2008) de um general que teve atuação direta em todos os 20 anos que durou a ditadura militar. palavras escritas na forma de um discurso com toda pretensão de verdade universal. general escritor que personifica o “guardião” da verdade, capaz de “impedir que uma nova história seja reescrita pelos derrotados”.
no dia primeiro de abril de 1964, instaura no brasil mais uma ditadura militar – pois já havia ocorrido outra em 1956 que depôs getúlio vargas. foi uma reação exagerada ao que setores da sociedade brasileira acreditavam estar eminente: a instalação de uma “república sindicalista” no brasil. Instalação, “pelo uso da força, por parte de comunistas a solto da ex-urss, de cuba e da china”, de uma república que seria internacionalista onde, a classe trabalhadora, via seus sindicatos, teria o poder de atuação, via o partido comunista, na administração do estado brasileiro. tal modo de administração somente seria possível caso houvesse profundas reformas de base. ou seja, essa possibilidade visava mexer profundamente na ordem e nos valores estabelecidos no brasil desde a época de sua colonização portuguesa. ordem (política e econômica – ou terra, família e pátria) sempre garantida pelas forças armadas – já que o brasil jamais se revolucionou. valores estabelecidos a ferro e fogo pelo processo luso-cristão da igreja – já que o cristianismo sempre se viu como avanço cultural ao lado das forças militares de pacificação. essa reação exagerada considerava o comunismo o grande inimigo da vez – por sinal inimigo fantasmagórico. inimigo tão grande cujo mal era representado como a internacionalização do brasil. “tamanha maldade” manifesta tanto por forças externas (nações comunistas) quanto internas (nacionais considerados “traidores da pátria”). essa profunda e eminente reforma de base, prestes a ser “instaurada pela violência”, teve como grande pivô, joão goulart.
jango é empossado na presidência sob o regime parlamentarista; reata relações diplomáticas com a ex-urss; se põe contrário às sansões impostas à cuba; estreita relações com o movimento sindical; determina a realização da reforma agrária, fiscal, educacional, bancária e eleitoral; limita a remessa de capital para o exterior; nacionaliza as empresas de comunicação (1961). as forças armadas, a igreja, o latifúndio e outros setores privados, de modo obsessivo, vinham acompanhando de perto todos esses acontecimentos. e esse acompanhamento apenas criava as condições de histeria de guerra cujo sintoma foi a própria instauração da ditadura militar. o próprio Jango, deposto em 1964, após isso manifestou que, o que impediu suas reformas de base foi “absolutizar a possibilidade de um caminho pacífico e não nos prepararmos para enfrentar o emprego da luta armada pela reação”. ou seja, a luta armada nem mesmo estava em segundo plano. a histeria foi tão evidente que por um lado foi organizada uma marcha chamada “marcha da família com deus e pela liberdade” e por outro não houve sequer uma reação violenta de esquerda imediatamente ao golpe militar. a primeira ação violenta da esquerda somente ocorreu, de forma bastante precária, dois anos depois, em 1966.
léo pimentel
abril de 2011
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