só sou eu não sendo pressuposto, e sim enquanto me ponho – : a ética negativa de julio cabrera não se trata de transformar o mundo, pois não existe "mundo" (experiência humana na história). a vivência dessa ética se dá de duplo modo negativo: o primeiro encontra-se na imanência constante do atual (cada momento em que se está vivo se está atravessado pela morte constitutiva – nada tendo a ver com o estar diante da morte pensada pelo senso comum), o segundo na imanência dos experimentos de pico (um instrumento de escalada jogado fora no exato momento em que se alcançou o cume – longe o bastante para se poder voltar atrás). desse duplo modo negativo desmundano, dá-se a constituição de uma subjetividade do torna-se singular justamente pelo modo como este se consome em sua terminalidade (atual: o fazer vivente/morrente; e pico: posição irreversível donde se vê mais longe). duas boas ilustrações sobre isso são: (1) a primeira meia hora do filme matrix: cada corpo é, nada mais nada menos, que uma reserva energética, ou seja, uma pilha não-aucalina e nem mesmo recarregável; (2) "minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba por reconhecê-las como contrassensos, após ter escalado através delas – por elas – para além delas. (deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.) deve sobrepujar essas proposições, e então verá o mundo corretamente." – wittgenstein. tractatus, 6.54.
julio cabrera não tenta criar conceitos, pois estes são meros geradores de preconceitos. jc não se coloca como uma espécie de inimigo jurado do céu, para construir novos céus. seu cuidado para tal se dá quando ele se põe a pensar utilizando palavras (não conceitos) cujo resultado possível, em um/a leitor, é se perder em conflitos, ambiguidades e etc, da polissemia de qualquer discurso. por exemplo, a palavra “suicídio”. não é um conceito na ética negativa. pois “suicídio” não se pretende com tal palavra uma justa sistematização em alguma filosofia especulativa (profissional ou técnica). pretende-se evocar a experiência do suicídio. que esta seja fruída em toda a sua dramaticidade. que seja sentida. não é um ideal, muito menos um espectro. com a palavra “suicídio”, jc não se interessa pelo triunfo teórico desta enquanto idéia.
a ética negativa é o modo em que julio cabrera faz do corpo uma questão central: se há algo para amar, ama-se o corpo para que este seja consumido com propriedade (o indivíduo é o possuidor de tudo, não a humanidade – ou, não há qualidade de vida, há vida qualificada). desse modo busca-se o direito do indivíduo concreto (a minha carne não é a carne deles) de se evitar a violência humanista (indivíduo em abstrato: “humanidade”, “cidadania”, “massas”, “ser espiritual”, etc). uma política possível decorrente da ética negativa seria a luta contra a não descorporação do indivíduo concreto/singular – sempre feita às custas de algum domínio do simbólico, ou espectral da vida enquanto terminalidade de um corpo (indivíduo em abstrato). seria uma política do corpo efêmero. esta ou aquela carne frágil que viva (em seus fluidos, cheiros, textura, etc), se coloca desde já contrário a qualquer tipo de sacralização que implique, até mesmo, uma dominação suave (previdência social, planos de saúde, “jesus te ama”, etc.). a ética negativa luta contra a obrigação de colocarmos nossos corpos à disposição de qualquer coisa e/ou idéia. por exemplo, a uma guerra (serviço militar obrigatório), ou, colocar o corpo mesmo à disposição de uma sedução por espectros tais como deus, o imperador, o papa, a pátria, etc. na ética negativa carne e osso juntos são o mais próprio campo de batalha. sua política negativa é um grande "não" aos corpos possuídos por "idéias" e instituições que a encarnam. como antes apontei ser ela uma luta contra a descorporação, agora ela também o é uma luta corpo a corpo (não “olho por olho, dente por dente”) contra a encorporação (indivíduo como símbolo disto ou daquilo).
o procedimento cabreriano é radicalmente ahistórico. seu método híbrido fratura a dialética progressista ressurgindo fora da história. posso até dizer que seria uma espécie de arcaismo revolucionário. pois as modalidades aberta pela modernidade como constituição histórica – numa história metafísica – coexistem todas ao mesmo tempo. é uma ontologia rigorosamente materialista. uma ontologia que luta corpo a corpo contra tudo aquilo que quer se apossar dele. sua liberdade é abismar-se no terror mais arcáico no qual pode ser encontrado um criminoso sem crime: criminoso absoluto e primordial intocável por qualquer tipo de punição. quando julio cabrera se coloca como esse criminoso absoluto, sua mera presença singular, anula todo o existente. desconfio que tal razão seja a de todos/as aqueles/as que insistem que a prova da verdade do que julio cabrera diz se daria apenas no momento em que ele suicidar-se. o que nada mais é do que uma punição/castigo a esse tipo de criminoso. desejar tanto a morte quanto a eterna presença de julio cabrera é puní-lo para que se reponha aquela velha e mesma ordem. pois a qualificação de suicida não o distingue entre outras pessoas como superior ou inferior, mas sim recoloca a situação de que cada corpo é único. desse modo, se um suicida brinca preparando sua morte e daí ele morre, teve o que merecia, mas se não morrer, continua a ter o que merecia.
Comentários:
Postar um comentário