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bem vindo e bem vinda. este é um labirinto herege: um desafio para medir a astúcia de quem me visita; um convite à exploração sem mapas e vista desarmada. aqui todas as direções se equivalem. as datas das postagens são irrelevantes. a novidade nada tem a ver com uma linha do tempo. sua estrutura é combinatória. pode começar de onde quiser. seja de uma imagem, de um texto, de um vídeo ou mesmo de uma música. há uma infinidade de escolhas, para iniciar a exploração, para explorar esse território e para finalizá-la. aproveite.

o jardim das notas que se trifurcam - percorrendo wanderson flor





em seu texto "acerca da dor estrutural: notas sobre moral, ontologia e política"[1], wanderson flor sugere um desafio: pensar com michel foucault e julio cabrera. três pensando três: wanderson, michel e julio pensando moral, ontologia e política. um é mapeador, outro é esboço de mapa e o terceiro é labirinto a ser mapeado. aceito o convite para essa exploração topográfica.


primeiro percurso: efeitos da verdade (michel)


aqui wanderson me oferece a "verdade" como a entrada de uma primeira trilha. no entanto que não pode ser trilhada de qualquer modo. sim, é algo da esfera do poder: conjunto de práticas sociais que determina as bifurcações pode/não-pode, e quem-pode/quem-não-pode. bifurcações que estabelecem redes - mas estas estando mais como tarrafas (redes de pesca) - de poderes e contrapoderes. "verdade" e "poder": caminho e autorização para caminhar, ou tarrafa e autorização para pesca predatória. ambas, tendo à sua frente, um sujeito paralisado, no entanto com promessa de ser processo - atravessar o caminho como o sr. k de kafka. tal promessa seria a condição de que mesmo sem mapa, autorização e vista desarmada algo pode ser feito nesta trilha. ou assume-se as regras do jogo e assim o joga (agentes e ativistas do estado), ou despreza a jogatina como um todo (nega o poder) - já que mais parece um jogo de azar onde a banca sempre vence. esse desprezo pelas regras do jogo somente é possível mediante uma estratégia anterior: a subjetivação. esta seria a própria dissolução do sujeito paralisado, ou em movimento inercial, em um processo poderoso de face-a-face com tudo o que lhe é estado de selvageria e que o constitui tanto como jogador/a quanto como desprezador/a do jogo: anormalidade, bizarrices, patologias e desvios. estas sendo das mais variadas matizes e tons que seria impossível torná-las um conjunto de sofrimentos em si. nesse primeiro percurso, wanderson marca em seu mapa uma primeira picada que michel em seu esboço não o tinha marcado: "um sofrimento universal, uma estrutura que sempre remete o homem ao padecimento ou ao sofrimento".


visão panorâmica do labirinto (julio): citações fragmentadas

a) (...) impossibilidade filosófica de atribuição de valor positivo intrínseco à vida humana, pelo menos no plano ontológico (...);

b) a possiblidade filosófica de afirmar um valor negativo para a vida humana (...);

c) a denúncia da ocultação: (...);

d) a relação com as "questões mortais": (...) a procriação, o suicídio e o heterocídio (...);

e) o momento facultativo: (...) a ética negativa seria essa maneira de lidar com o peso que a vida é.

f) a impossibilidade de justificar o heterocídio: (...);

g) a imoralidade da procriação: (...).

sobrevoando o labirinto a ser mapeado, wanderson identifica alguns pontos incontornáveis: a radical falta de valor da vida humana e a estrutura fundamentalmente padecente desta mesma. é preciso atravessar o labirinto sobrevivendo e sem fazer viver.


problemas na relação e na escala cartográfica: michel em julio - julio em michel


proporcionalidade inversa: a escala da ética é inversamente proporcional à escala política - a relação entre as distâncias no mapa esboçado por michel possui certa incomensurabilidade com as distâncias do labirinto negativo de julio. e agora wanderson, como desempatar?

no labirinto quanto mais se distancia da possibilidade da ética, mais se aproxima da política. no mapa esboçado por michel, a possibilidade da ética e a mesma curva da possibilidade política. no labirinto é possível olhar para o horizonte e ver as próprias costas - condição espiral entre causas e efeitos. no esboço do mapa somente é possível olhar para ou para o horizonte ou para as próprias costas (genealogia) - condição linear entre causas e efeitos. 

wanderson está diante de uma irreconciliação entrópica entre julio e michel: a estranha cumplicidade de uma pessoa, cujo olhar é o horizonte-espiral da ética negativa, em sua própria exterminação vital em prol da sobrevivência moral e, o modo de guardar segredo de quem cujo olhar é o horizonte-linear da política em sua própria vertigem - o cuidado de si como extermínio do inferno são os outros. a dor é o que toca ambas as pessoas. no entanto um não a suporta e a outra a estetiza (e claro, que estou sendo maldoso com essa simplificação). um, pela dor, gera a crise ética que exige uma solução política. outro, pela dor, gera a crítica que expurga sua parte maldita. 

wanderson, já dentro do labirinto, sente que qualquer que seja seu movimento que tenda ao negativo, logo ele será lançado na clandestinidade. estar clandestino no labirinto ou estar refém do esboço do mapa? é preciso decidir diante dessa encruzilhada. é preciso tomar uma posição diante dessa espécie multidimensional de bifurcação. não! o que é preciso é trifurcar. 


trifurcação esparsa

1. (...) construímos apenas aquilo que nos importa enquanto humanos.

2. (...) não entendo por que a dor não estaria mais próxima ao fato de que os seres humanos têm coração e rins. há algum tipo de hierarquia interna na estrutura? (...)

3. (...) tudo o que é propriamente humano é uma construção. (...)

4. (...) mas será a dor dele, e não a dor de uma estrutura fundamental.

5. (...) não acredito que todos os homens vivam essa dor (...) da mesma forma (...).

wanderson, clandestino, trifurca. assume a condição humana como artifício. tudo o que criamos, criamos para sermos comutações. e a dor não seria elemento privilegiado dessa comutação - horizontalidade radical entre a coisa e seu funcionamento; não se é artífice nem artefato. homeostase de nós que criamos através do que criamos. assim, em comutação e em homeostase a dor é tão privada e diversificada que é apenas matéria prima. na melhor das hipóteses a dor estrutural é uma dor virtual encenada a um público. o paradigma da dor sentida mudou. não é algo para ser decifrada em profundidade, mas sim em contiguidade epidérmica. quanto mais peles existirem, menos há dor e mais fazer-dor - paradoxo operacional. 


trifurcando em suspeitas semifinais

1. "papel da ética no mundo". papel da ética na cotidianidade. seria a de um ato político? seria a de uma estratégia política? ou ainda, seria a de uma teoria política? sendo ato podemos vivê-la como "verdadeira". sendo estratégia podemos vivê-la como jogo. e sendo teoria, podemos vivê-la como drama e crítica. e assim, trifurcado, wanderson se pergunta: qual seria o papel da dor na política e qual seria o papel da política na dor? júbilo justificado ou melodrama irônico? 

2. "lógica e singularidade são incompatíveis": sonho por separá-las e delírio por reuni-las. juntas tornam-se mais-valia da ética - exacerbação. separadas tornam-se êxtase do valor na ética - especulação. da primeira chegamos à ética negativa de cabrera como expressão máxima da transparência entre agir ético e sobreviver. da segunda chegamos às éticas afirmativas de valores flutuantes e arbitrários. 

3. "também desconfio que não seja possível estetizar um mundo mal": seria a estetização uma reação da patologia secreta da ética? emanação e expressão de uma espécie de tentativa penal de tudo ao cálculo das probabilidades? estatística do bem e do mal? estatística do belo e do feio? alucinação coletiva? alucinação da maioria? "como é possível viver?" e ainda, será que a consciência moral está mais para um efeito midiático do que para uma reflexão individual? 

4. "o herói cabreriano (...) é (...) aquele que decide (...) 'não mais viver'": a única possibilidade de se ser moral é a realização de um único ato - impossível ser um herói o tempo todo. assim, sendo anti-heróis: seríamos capazes de suportar a ideia de que, para vivermos somente dispomos dos meios da catástrofe, do acidente, do crime, do erro, do mal e do pior? e para sobrevivermos somente dispomos de meios inadequados e ilusórios das técnicas de viver? vivente: herói trágico? sobrevivente: herói patético ou herói melodramático? 

5. "uma ética que se sustente na primazia do ser e não no agir será despolitizada": ser, dever-ser ou poderia-ser? inércia, artifício ou acaso? entropia, servidão voluntária ou aposta? princípio do mal, destino do bem ou clandestinidade? 

6. "a análise cabreriana mostra então uma incompatibilidade entre ética e política": trifurcando wanderson foi pego de surpresa por algo que o espreitava em seu mapeamento: as luzes de foucault o paralisaram. o silêncio cabreriano sobre política não significa desconsideração da existência da mesma. é uma espécie de sombra social sobre a decisão ética individual. silêncio insolente cuja prática ética é estar essencialmente preocupado com sua eficácia em detrimento dos jogos políticos. wanderson apontou e quase trifurcou: há uma sabedoria política na ética negativa, a de reduzir o tempo da imoralidade. 

7. wanderson permanece paralisado.


léo pimentel, amante da heresia 


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[1] cabrera, julio. (org). ética negativa: problemas e discussões. goiânia: editora ufg, 2008.
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resposta de wanderson flor ao jardim das notas que se trifurcam


http://amantedaheresia.blogspot.com.br/2012/06/resposta-de-wanderson-flor-ao-jardim.html


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