07 [(cor)respondência sétima]
assim falou marcia: “literatura não é roteiro, fotografia não é frame.”
marcia, gosto dessa demarcação de território que você faz entre literatura e roteiro e entre fotografia e frame. porque isso raramente é problematizado. o cinema e seus outros. a fotografia e seu outro em ilusão de movimento. mas, antes, algumas palavras tangenciais. sempre penso que, quando um/a cineasta, que é ao mesmo tempo roteirista e diretor/a, ganha um prêmio de melhor roteiro, é como se dissessem a ele/a que sua peça literária é melhor que sua peça cinematizada. algo nessa linha também penso sobre a coisa da “melhor fotografia” em um filme. pois é um reducionismo impressionante estabelecer que, a concepção da imagem cinematrográfica, deva ser tal qual a concepção fotográfica. é como se dissessem que há apenas uma forma válida de conceber tal tipo de imagem: a forma geradora de situação de crença conduzida pela condição fotográfica. sim, situação de crença, já que a fotografia opera, em sentido moral, numa lógica de verossimilhança, mesmo que remota, com o mundo – aquilo que faz com que, ao vermos uma fotografia, confundamos representação com a realidade.
parece-me que a fotografia não sendo frame, é um fato do passado e não um fato passado, como é um frame. desse modo ela adquire uma maior liberdade para mostrar: o presente das coisas passadas (memória), presentes (atual) e futuras (expectativas).
assim falou marcia: “o fotógrafo é a testemunha que luta contra o esquecimento. mas que tipo de esquecimento é esse contra o qual luta a fotografia? que memória é a memória da imagem?.”
ah, adorarei responder estas questões! pois adoro pensar o esquecimento. esquecer é, existencialmente, perder informações, e politicamente, esquecer é ocultar, deshistoricizar. o primeiro tipo de esquecimento está relacionado à memória curta (consciência temporal), àquela relacionada ao tempo de vida que vai do nascimento e a morte de alguém; já o segundo tipo está relacionado à memória longa (consciência histórica), àquela relacionada ao tempo das coisas que estão para além de nosso tempo de vida.
o esquecimento relacionado à consciência temporal aparece como certa comodidade diária: diversão, entretenimento, prazer, etc. já o esquecimento relacionado à consciência histórica aparece como algo radicalmente incômodo: preconceitos, discriminações, ocultamentos, dominações, etc. partindo daqui, entendo que o esquecimento, pode ser pensado, antes de tudo, como o próprio objeto pelo qual batalham fotógrafos e fotógrafas. assim como o poder político é o objeto pelo qual batalham a esquerda e a direita. mas, contra quem eles e/ou elas lutam? eu diria contra si mesmos/as. sim, é como se houvessem fotógrafos/as que militam pela fotografia de comodidade diária (fotografias onde vigília e sonho se equivalem – publicitária, de glamour, etc.) em confronto com aqueles/as que militam pelos “mortos” incômodos (fotografias gerando a história e esta gerando fotografia).
e nesse campo de batalha, o espólio de guerra seria a memória da imagem mesma. cujo tipo que você pergunta, marcia, seria a traiçoeira: memória traiçoeira da imagem. sim, aquela cuja traição é sempre realizada por cansaço, por tédio, ou por inércia. e por tal, necessitam de uma permanente auto justificação, de um monte crescente e denso de explicações e auto-engano. sim, pois ao fim da batalha, após contar os/as mortos/as, vê-se que somente as imagens permaneceram vivam. e somente permaneceram assim, por que traíram seus fotógrafos e suas fotógrafas! os/as traíram dizendo para nós que traíram para se salvarem da morte e para escapar do horizonte do esquecimento. pois se perguntam entre si: o que de memória e o que de sonho somos compostas? é possível destacar da memória nosso sonho ou o pesadelo?
assim falou marcia: “a fotografia é uma ‘forma’ em relação à qual o conteúdo é apenas um vestígio.”
pensarei essa ideia acrescentando a afirmação de jean-luc godard em “histoire(s) du cinéma", vol 3 – la monnaie de l’absolu. une vague nouvelle, que “a forma pensa”. com esse acréscimo, marcia, sim, concordo contigo que o conteúdo seja vestígio da forma. sim, pois, é pela sua forma que a fotografia alcança o ver; que alcança todo seu poder ideário. alcance sistêmico entre eu, você, o contexto, a imagem, quem a fez, quem a contempla, dentro de um espaço-tempo histórico e a-histórico. é forma viva que participa de sistemas de pensamento. e por isso, ótimas para mentir; ótimas para trair.
interessante isso do conteúdo como vestígio. pois são os vestígios, de qualquer conteúdo, o que mais intimamente está ligado aos discursos ideológicos: dependem do tipo conservador de realização das associações politicamente arbitrárias e convencionais. é se mais fácil assimilar uma ideologia, quanto mais a forma for sutilizada. quanto mais padronizada é uma forma, ou quanto mais se está confortável formalmente, maior é o convencimento e mais fácil é a assimilação de um valor ideológico. como eu disse: ótimas para mentir; ótimas para trair.
assim falou marcia: “a fotografia revela apenas a si mesma.”
ah... essas traidoras... por vezes vão se deitar guerrilheiras e acordam agentes do governo... por vezes vão se deitar agentes do governo e acordam guerrilheiras...
léo, amante da heresia
passarela subterrânea entre as quadras 109 e 209 – asa norte – brasília | léo pimentel | 2012
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