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bem vindo e bem vinda. este é um labirinto herege: um desafio para medir a astúcia de quem me visita; um convite à exploração sem mapas e vista desarmada. aqui todas as direções se equivalem. as datas das postagens são irrelevantes. a novidade nada tem a ver com uma linha do tempo. sua estrutura é combinatória. pode começar de onde quiser. seja de uma imagem, de um texto, de um vídeo ou mesmo de uma música. há uma infinidade de escolhas, para iniciar a exploração, para explorar esse território e para finalizá-la. aproveite.

enfim! ecche ludens! fragmento biográfico


conheci Suluque Ibn as-Sabil quando estive, clandestinamente, na Bolívia no início de 2008 – país maravilhoso, terra de povos originários extremamente combativos e terra das Mujeres Creando, grupo anarcofeminista da iconoclasta Maria Galindo. em um acaso alegremente dividimos um taxi. uma inusitada toyota japonesa reciclada, cujo vestígio, do volante no lado direito, ainda estava presente. juntos, puxávamos conversa com seu motorista. um carismático indígena aymara de Cochabamba. juan, era seu nome, nos contou histórias de sua participação em uma insurreição popular pela água boliviana. deixem-me abrir um parêntese aqui: lá pelos idos anos 2000, empresas estrangeiras estavam privatizando os recursos hídricos bolivianos. até a água da chuva seria taxada. o povo, em revolta, saiu às ruas para protestar. este levante popular, onde teve sua maior expressão em Cochabamba, ficou conhecido como a Guerra da Água. fecho parêntese. descobrimos que íamos para o mesmo lugar, Copacabana – curiosa cidade que aos sábados abençoa seus carros. sendo assim, também pegamos a mesma Van, pois igualmente fugíamos das rotas dos ônibus legalizados. dividimos esse veículo com as místicas e tradicionais cholas. onde troquei um saco de amendoim por um punhado de folhas de coca. graças a esse escambo não sofri o soroche (el mal del alto). nesse trajeto, de La Paz à Copacabana, cuja paisagem era o lago Titicaca, tivemos a oportunidade de trocarmos heresias à vontade. em espanhol. No entanto, em um tropeço lingüístico aqui outro ali, eu soube que Suluque já havia morado no Brasil por uns bons 5 anos. (conhecimento que não nos fez conversarmos em português, pois eu estava disposto em espanizar-me) estes os quais o fizeram um apaixonado tanto pela postura carnavalesca da brasilidade – aquela postura bem caracterizada na primeira versão do filme Orfeu de 1959 – quanto pela curiosidade de viver o indigenismo desde dentro – pois sabia que o Brasil era um país que ainda não havia passado a limpo seu violento e vergonhoso passado, tal qual os países islamizados e seus povos originário. sua paixão o fez um habilidoso escritor em língua portuguesa. o que me deixou, mais tarde, espantado com o modo como Suluque conseguira mimetizar certas nuanças literárias da língua portuguesa. 

Suluque me dizia que seu autor brasileiro preferido era Ezio Flavio Bazzo – o qual me disse que nunca o procurou por achar melhor os livros a seus autores. para ele Ezio era um peculiar escritor. pois era alguém que viajava pelo planeta para refinar sua percepção negativa do ser humano. o Titicaca ao fundo, ao lado e à frente, as conversas das cholas, nas línguas Quechua e Aymara, preenchendo maravilhosamente bem a precariedade da Van, nos foi o cenário ideal para iniciarmos, tanto uma confiança mútua quanto uma aculturação recíproca. foi em um barquinho, no meio do Titicaca, já avistando o Monte Calvário, que trocamos nossos mais valiosos presentes. Suluque me entregou o esboço de um trabalho que havia iniciado no norte da República Popular da China. lá estava fazendo uma pesquisa de campo no deserto de Gobi. na época em que era professor visitante na Universidade Livre do Curdistão. lá pelos idos anos finais de 1990.

sua obra me foi dada em um pequeno cd, outrora guardado dentro de pequena bolsa de couro sintético – que, humoristicamente, dizia ser de camelos artificiais. ele me disse que aquela era sua única obra. no mesmo estado de humor também lhe entreguei uma pequena obra que eu havia levado para a Bolívia, com o intuito de terminá-la por lá. entreguei-lhe meu caderninho com todas as anotações que gerariam essa minha obra. o título da minha era “Memória dos Anos que não vivi”. a dele era “A Arte Anarquista do Ronin Zen ‘Wu Wei Kaishakunin’”. este acaso boliviano nos tornou guardiões da obra de um e de outro. porém, não fora somente esta nossa única missão recíproca. fizemos um pacto. primeiro, saberíamos pouco sobre o passado pessoal, como família etc, um do outro. segundo, caso um dos dois parasse de dar notícias – um ano era o tempo mínimo de ausência – isso significaria sua morte. esse desaparecimento seria o sinal pra que o ainda vivente teria a obrigação de publicá-la. 

faz pouco mais de um ano que não tenho nenhuma notícia desse querido herege. o que faz de Suluque Ibn as-Sabil um homem morto. (considerá-lo apenas desaparecido não seria algo digno para qualquer um de nós.) portanto, esse amigo póstumo faz de mim o curador de seu espólio. que pelas maravilhosas da internet, ampliou. não só decidi publicar sua única obra (1), me dada como presente na travessia do Titicaca – a qual trabalhamos juntos em uma tradução para língua portuguesa –, como também resolvi publicar os seus escritos em seu blog (2), seus comentários sobre postagens da versão blogueira de Ezio Flávio Bazzo (3) e algumas de nossas correspondência (4). Sendo assim, voi lá.

léo pimentel - maio de 2011

uma sulukiana para suluque by amantedaheresia

ecche ludens - léo pimentel (2011)



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